Comportamento Reativo e Resistência: “o computador errou!”
Ouvimos muitas estórias ocorridas em repartições públicas que mais parecem anedotas. É o caso de funcionários que ao perceberem algum erro cometido por eles, falam para o cidadão irritado: “desculpe, foi um erro do computador”.
Temos dificuldade em aceitar nossos erros, pedir desculpas ou refletir antes de falar. Nossa natureza freqüentemente nos impede de reaprender através das falhas e dos descuidos.
Nos sentimos inferiorizados quando nossos filhos, jovens e crianças percebem e apontam nossos defeitos. Vivemos tão voltados para dentro de nós, que não percebemos que estamos sendo observados e investigados nas nossas palavras e ações.
Para dar uma idéia desse fato selecionamos textos produzidos por adolescentes e préadolescentes na faixa etária que vai dos 11 aos 16 anos. Esses textos são reais, mas não identificam seus autores. Eles cursavam a 6ª, 7ª e 8ª séries de uma escola de classe média. Era um trabalho dirigido para a figura do pai e propunha a opção por dois títulos: “Meu pai, um amigo” e “Meu pai, esse ausente”. Alguns alunos resistiram em produzir o texto, mas como valia pontos e era tarefa escolar, acabaram aceitando.
Sabemos, porém, que crianças e adolescentes não se sentem à vontade relatando os defeitos dos pais para outras pessoas. Tentam muitas vezes atenuar, disfarçar ou inverter seus sentimentos e conceitos próprios, para não se sentirem culpados ou por acreditarem que seus pais podem mudar algum dia. Acabam optando pelo que desejam que aconteça e não pelo que realmente observam. Essa tese ficou confirmada, pois, de noventa textos examinados, a metade fazia boas referências ao comportamento paterno; a outra metade sinalizava os defeitos, mas, logo em seguida, os desculpava, perdoava ou aceitava, pelo menos
aparentemente. Mesmo assim mostraremos os textos tal como foram escritos, sem qualquer interferência da nossa parte.
É de grande importância observar nestes textos os fatores que podem originar distorções no desenvolvimento da personalidade das crianças e adolescentes. Em cada bloco de textos colocamos propositadamente esses fatores em forma de título com letras maiúsculas.
Vamos a eles:
TRABALHO
1. Meu pai, esse ausente
Meu pai é um ausente, trabalha dia e noite. Quando ele chega em casa percebo seu esforço com a gente. Se tenho alguma dúvida em alguma coisa ele faz de tudo para me esclarecer, mesmo cansado. Mas na maioria das coisas que eu faço sinto sua ausência, um apertão por ele não poder comparecer ou, às vezes, me sinto culpada por isso. Mas sei que não é culpa minha nem dele, ele faz de tudo para comparecer e quer sempre o nosso bem.
Apesar do meu pai ser ausente, o amor e carinho que sinto quando penso nele, faz com que todas as vezes ele fique presente nas horas ausentes.
2. Meu pai, esse ausente.
Meu pai mora fora. Ele está lá por causa do seu emprego. Ele vai lá em casa de quinze em quinze dias. Quando chega em casa fica nervoso com as contas a pagar. Meu pai se preocupa mais com os danos materiais. Meu pai me confunde com o meu irmão. Ele se preocupa mais com meu irmão do que comigo.
A convivência do meu pai com a minha irmã não existe. Mas meu pai também tem algumas qualidades e gostaria que meu pai não fosse nervoso.
Ass: Anjo negro.
AGRESSÃO
1. Meu pai, um amigo?
Meu pai não é dos melhores, mas é meu pai e eu não posso fazer nada. Bom, o pai dos meus sonhos é um cara bem alto, bonito e super legal, que quem o conhecesse não iria se decepcionar. Se um dia minha mãe morrer eu acho que morreria junto, pois quem salva tudo o que acontece é ela. Os colegas que vão lá em casa morrem de medo do meu pai, já minha mãe eles queriam ter uma igual. Meu pai é daqueles que não compreendem nada e tudo o que a gente faz ele já vem batendo, nem quer saber o que aconteceu. O que importa e que ele me ama e que minha mãe é a melhor mãe do mundo.
2. Meu pai, um amigo?
Meu pai é um amigão, às vezes, fica ausente quer dizer, quando viaja, quando vai ao clube.
Meu pai é engraçado, mas quando fica de mau humor, sai de baixo - ele fica com uma cara de
morte.
Meu pai tem amor por duas coisas a família e o carro. Uma vez ele bateu o carro e eu, a minha
mãe e minha irmã estávamos dentro. A primeira coisa que ele fez foi ver o carro, depois
perguntou se estávamos bem. Isso não quer dizer desprezo, quer dizer que ele é meio
desligado.
Meu pai é um homem trabalhador, honesto e inteligente. Só tem uma coisa ele é pavio curto,
no sentido de não agüentar esperar.
Ele é muito especial para mim, pois é um bom pai. Eu agradeço a Deus por ter me dado um
pai tão bom, carinhoso e engraçado. Obrigado por ter me dado um pai amigo, quando muitos
não o tem.
AUSÊNCIA
1. Meu pai, um amigo?
O meu pai, ele é super amigo e carinhoso comigo. Ele é muito nervoso, mas tem um ótimo
senso de humor.
Meu pai não é muito presente em minha vida, porque ele trabalha fora e fica vários dias sem ir
em casa. Cada dia que ele chega é um alívio para a minha mãe e meus irmãos, que ficam
pensando o que poderia acontecer em sua viagem. Quando chega ele está exausto e logo
dorme.
Meu pai, eu o adoro do jeito que ele é e não gostaria que mudasse!
2. Nós concluímos que pai de verdade é:
Aquele que nos acorda com beijos e abraços, nos compreende, nos ajuda, busca nos entender
e ensina o que sabe. Este é o pai inexistente em nossas casas...
Mas não os culpamos por isto, pois com seu pouco tempo para a gente, consegue nos
conquistar com seus agrados.
3. Meu pai, um amigo?
Hoje, em nosso país, muitos filhos não se dão muito bem com os pais, pois brigam, discutem
e também os pais não ligam e nem pensam em conversar com os filhos. Mas também existem
pais que gostam de conversar, brincar, consolar nas horas de angústia, os filhos.
Meu pai é super legal e sempre quando está em casa nós conversamos, brincamos, enfim, vida
comum entre pai e filho. Ele procura ao máximo fazer-me sentir bem e tenho medo de
decepcioná-lo. Se isso acontecer eu acho que não terei cara de lhe pedir desculpas. Mas isso
nunca irá acontecer porque sempre o respeitarei e nunca deixarei de amá-lo.
Quando meu pai está ausente, rezo para chegar logo e que volte sempre com aquele rosto de
quem gosta, ama e que nunca deixará de amar seus filhos e sua esposa. Meu pai, um amigo.
TIMIDEZ
1. Meu pai, um amigo?
Adoro meu pai, me dá toda atenção, amor e carinho. Apesar das suas dificuldades, é um
grande amigo. É um pouco calado, sério, mas muito responsável.
Converso muito pouco com ele e o respeito bastante.
Gostaria que fosse mais alegre e que se abrisse mais com a família, acho que é mais uma
questão de tempo. Às vezes, acho que ele fica nervoso com qualquer coisinha, mas logo, logo,
se anima.
Sempre que precisamos dele, ele vem para resolver qualquer problema. A sua facilidade de
fazer amizades é incrível. Quando chega cansado do trabalho, respeitamos bastante e lhe
damos a maior atenção.
Gosto do meu pai, mesmo com seus problemas e suas dificuldades. E o amo bastante; prá
mim é o melhor pai do mundo!
ÁLCOOL
1. Meu pai, um amigo?
Um homem trabalhador, que sempre trabalhou para sustentar a família. Meu pai chama-se...
Gosta muito de mim, mas quando faço alguma coisa errada ele briga até! E quando ele perde
a paciência, sai de perto... Começa a bater até a hora em que eu me machuque.
Ele não gosta de nada desarrumado, por isso fala para não deixar nada desarrumado e quando
vê alguma coisa desarrumada, ele chama a pessoa que fez e manda ajeitar.
Meu pai quando bebe com os amigos dele, chega em casa e faz só bobagens, loucuras, briga
com a gente e fica com aquele jeito bêbado e pinguço. Pinguço é porque ele bebe muita pinga.
Fica bêbado também quando bebe uísque. Quando meu pai quer fazer alguma coisa, não tem
“Deus no Mundo” que segure. Se ele quer fazer ele faz mesmo.
Meu pai tem rosto barbudo e a cara de quem parece ser bravo. Uns defeitos que eu acho que
ele tem é quando ele fica bêbado e quando faz a gente comer coisas que a gente não gosta.
Meu pai deveria ser um pai mais humilde e bastante amigo da sua família, principalmente da
sua mulher e de seus herdeiros filhos.
2. Meu pai, um amigo?
Enquanto estou na escola ele está no trabalho e só chega de noite, mas procura saber de tudo
que acontece na minha vida. Eu o vejo na qualidade de ótimo pai, pois nunca bate para
consertar os erros, apenas utiliza o diálogo e acaba dando certo para mim e para ele.
Quando meu pai chega em casa, todos param de ver televisão e vão fazer o que estavam a
fazer, para dar uma força, pois ele não gosta muito da área que está trabalhando (área
comercial). Então contamos (eu e minha família) como foi o nosso dia e subimos (minha casa
é de dois andares), vamos todos conversar e ver TV com ele. No final ele fica feliz por nós.
Pai, que sempre corrige meus erros e me dá ordens, estes são seus pontos fracos:
- Teimosia
- Bebe e fica chato
- Se acha “demais”
Obs. Pode deixar, colega, lhe perdôo os seus pontos fracos.
Pai, te amo.
Quem prestou atenção para os textos apresentados, deve ter-se identificado com alguns
ou com vários, que podem representar algumas situações que ocorrem ou já ocorreram na sua
própria família. Não nos prolongaremos em comentários, mas vamos destacar mensagens
importantes que transbordam deles:
-Os pais não escapam à observação minuciosa dos filhos e funcionam como um
verdadeiro espelho onde, através dele, os filhos conseguem ver-se a si próprios e aos
pais.
- Desejam e reclamam a presença dos pais porque precisam dela como modelos para se
tornar adultos e sabem como melhorar esses modelos (quando reclamam dos defeitos)
propondo as mudanças.
- Julgam com precisão e perdoam com facilidade os defeitos observados.
Paternidade, Maternidade e Culpa
Pais e mães costumam sentir culpa em relação aos filhos. Mas nem sempre essa culpa
corresponde exatamente às suas dificuldades ou descuidos com eles. Seria pretensioso demais
imaginar que os filhos sofrem apenas a influência direta dos pais. E que os pais tem plena
consciência e responsabilidade pelo que fazem ou deixam de fazer por eles.
Dá para perceber, através dos textos escritos por crianças e adolescentes, que os pais
sofrem fortes pressões do meio social. O trabalho, as viagens, o “stress” produzido pelo tipo
de vida atual obrigam pais e mães a disputarem alucinadamente na maratona civilizada. Ás
vezes essa maratona visa apenas a sobrevivência, outras vezes é estimulada para alcançar
fortuna, prestígio ou poder. As miragens no deserto da civilização são múltiplas, são
proporcionais à ambição individual e continuam a atrair uma multidão de visionários.
Para os muito pobres, a sobrevivência determina cruelmente a sua ausência de casa e a
orfandade relativa dos filhos. Para os muito ricos e para os incansáveis maratonistas da classe
média, essa orfandade é camuflada pelo conforto material. Mas todos surtem os mesmos
efeitos no psiquismo das crianças e adolescentes abandonados nesse “mundo desenvolvido”.
Muitas vezes os pais não sabem explicar direito porque ficam nervosos, desatentos ou
punem os filhos desnecessariamente. Talvez ainda não tenham consciência exata das pressões
que sofrem e que lhes deixam descontrolados; talvez ainda ouçam fascinados o “canto da
sereia” civilizada que entoa canções que falam de riqueza, poder e glória. Às vezes, dizem:
“O que eu tenho ficará tudo para vocês”.
Vamos deixar as crianças e adolescentes falarem livremente quando dizem: “Eu
gostaria que meus pais não trabalhassem tanto. Não me interessa o que eles têm, me interessa
o que eles são; se tivermos mais atenção, carinho e diálogo, saberemos ganhar o nosso próprio
dinheiro na época certa”.
Eles estão certos: nenhuma babá, nenhuma escola, nenhum internato, nenhum
terapeuta é capaz de desempenhar, nem mesmo se aproximar das insubstituíveis funções dos
pais. Antigamente eram os internatos, hoje são as escolas, creches e instituições para crianças
e adolescentes que tentam suprir esses papéis. Nenhuma delas conseguiu até hoje, porque a
família não é uma instituição criada pelo homem. É uma instituição natural, sempre foi e
sempre será.
Muitos outros animais há milhares de anos, cumprem obrigatoriamente esse mesmo
ritual: geram, criam e protegem seus filhotes até que estejam preparados para voar, nadar ou
correr para a liberdade.
Quando nós, pais e mães, curados da embriaguez da opulência, da surdez dos apelos e
da mudez do diálogo, ficarmos menos cegos, surdos e mudos, conseguiremos baixar nosso
olhar e ver nossos filhos. Teremos certeza que eles, com a nossa presença provisória, saberão
como e para onde ir, sozinhos e acompanhados dos modelos que aprenderam.
Comportamento Reativo em Casa, na Escola e na Rua
Já vimos como se instala o comportamento reativo começando pelas sinalizações,
passando pelas pequenas alterações do comportamento e indo até as formas mais graves.
Com freqüência, algumas crianças e adolescentes, dão preferência a demonstrar suas
alterações de comportamento em casa, outros na escola e outros na rua. Alguns dentro de casa
são verdadeiros santos e quando se encontram fora do ambiente familiar se transformam
radicalmente a ponto de deixarem os pais com muita dúvida a respeito de suas façanhas.
Outros são considerados dentro de casa verdadeiros capetas e mudam totalmente quando estão
em contato com pessoas estranhas à família.
Esse mimetismo temporário de comportamento ou é aprendido dentro de casa ou é
criado pelo próprio indivíduo. A explicação para isso só vem à luz quando nos dispomos a
observá-lo durante algum tempo. Essas transformações mostram que alguma coisa já não está
funcionando bem. As sinalizações podem ser múltiplas e de várias intensidades. Para efeito
ilustrativo vamos dar alguns exemplos:
- Chorar com muita freqüência
- Brigas muito freqüentes entre irmãos
- Pequenas mentiras repetidas muitas vezes
- Gostar sempre de brincar sozinho
- Freqüente falta de apetite ou gula
- Medos excessivos: escuro, insetos, pessoas, etc.
- Tristeza e isolamento prolongados
- Destruição freqüente de objetos e agressões sem motivo aparente
- Pequeno furtos ou acúmulo egoísta de objetos
- Dificuldade de contatos com pais ou irmãos
É tão grande o número de sinalizações que não se tornaria prático prolongar a lista
deles.
É muito comum e pouco notada pelos pais uma sinalização representada pela
aplicação excessiva nos estudos. São os que, estimulados ou não pelos pais, vivem estudando
e querem sempre ser os primeiros da turma. Não brincam, não riem, não namoram e mais
parecem miniaturas de adultos. Os mais notados são os que matam as aulas, tiram notas
baixas e se tornam repetentes contumazes. Provocam muita ansiedade e irritação, mas acabam
ganhando mais atenção. Ambos apresentam alterações no seu desenvolvimento normal e
requerem cuidados.
Observamos que pequenas alterações introduzidas no ambiente familiar ou mudanças
no relacionamento dos pais com os filhos são capazes de provocar o desaparecimento desses
comportamentos. Outras vezes as reações adotadas pelos pais para mudar esses
comportamentos pode suprimi-los durante algum tempo para depois retorná-los com maior
intensidade e gravidade.
Punições ferozes ou chantagens bem arquitetadas são os erros mais comuns cometidos
por pais e educadores. Promessas de surras, cortes na mesada, ameaças de explosão e de
expulsão, supressão dos brinquedos e de viagens, são quase sempre barganhadas pela
mudança de comportamento. Nem sempre dão bons resultados porque não atingem o centro
gerador desses comportamentos e acabam estimulando a dissimulação, o disfarce e a
camuflagem. A situação interna (psíquica) continua intacta e pode reaparecer outras vezes.
Já vimos que são as mudanças internas do psiquismo que orientam o desenvolvimento
da personalidade e as que promovem o aparecimento e a qualidade dos comportamentos. Os
comportamentos são apenas os efeitos e os resultados visíveis dessas mudanças.
Quando falamos de pessoas corretas, íntegras, bondosas e compreensivas, estamos
falando da qualidade (caráter) do seu psiquismo, porque já conhecemos bem o seu
comportamento. O mesmo pode ocorrer com as pessoas desonestas, mesquinhas e avarentas
que, ao serem observadas no seu comportamento, refletem as características do seu
psiquismo.
Pode-se dizer, sem medo de errar, que psiquismo e comportamento andam sempre de
mãos dadas, são faces da mesma moeda ou são causa e efeito. Porém, um é visível e o outro
não.
A casa, a escola e a rua são extensão e continuidade da vida social e é nelas que o
comportamento atua. Alguns costumam avisar os filhos, quando uma visita vai chegar, para se
comportarem bem.
Precisamos causar boa impressão para os estranhos à família. O nosso comportamento
nesses casos deve seguir algumas regras para que a nossa imagem fique preservada e
respeitada. Em família, essas regras podem ser relaxadas, podemos mostrar o que somos uns
aos outros sem muito controle.
Podemos xingar, gritar, chorar, porque já convivemos e nos conhecemos melhor.
Nossos defeitos e fraquezas podem se manifestar mais à vontade. Enquanto dentro de casa
podemos peidar, arrotar e assoar o nariz com maior liberdade, diante dos outros precisamos
conter essas necessidades do corpo, pois elas representam para a nossa cultura, no mínimo,
falta de educação ou de respeito.
As visitas nem sempre são agradáveis porque representam o controle e a restrição da
nossa liberdade. Não sabemos mais nos comportar com espontaneidade. Transformamos
nossas palavras, sentimentos, pensamentos e gestos diante de estranhos e de visitas. Ás vezes
nossos filhos estranham o nosso comportamento delicado, sociável, bem humorado com as
visitas, porque conhecem o outro lado do nosso comportamento caseiro. Chamamos a isso de
“comportamento representado ou de comportamento social”.
Essas mudanças são percebidas por todos e significam um tributo pago à convivência
social. Somos como camaleões, mudamos de cor dependendo do local e da situação. Isso pode
ser aceito como normal, desde que não ultrapasse determinados limites e vire um hábito.
Comportamento Reativo e Namoro
Namoro é relação entre duas pessoas que começa com o comportamento representado.
É uma transição natural e obrigatória entre sair da família dos pais para caminhar na direção
da formação de nossa própria família, seja através do casamento convencional ou de qualquer
outra forma de convivência íntima.
Namorar não é uma decisão ou um ato consciente e sim um caminho psico-sócioafetivo
de todos os indivíduos para o cumprimento da evolução das sociedades. Na verdade
não escolhemos o candidato ou a candidata que queremos namorar, temos apenas a impressão
de que fazemos isso; somos tomados de surpresa quando encontramos aquela pessoa que, sem
que saibamos explicar, tornou-se mais importante do que as outras que também estavam do
nosso lado.
Sabemos intuitivamente que devemos abandonar a família dos pais enquanto os nossos
hormônios preparam o corpo para a reprodução. Sentimos cada vez mais forte a influência do
instinto sexual. O desejo de permanecer junto com a família (já bem conhecida) e o desejo
sexual (conhecer e conviver com o desconhecido), deixa a maioria dos adolescentes num
verdadeiro dilema. De um lado, o desejo sexual impulsionando para frente; de outro, o medo
de sair da família e assumir a liberdade e as obrigações sociais dos adultos.
Sabemos que as crianças estão concentradas no apego aos pais, em descobrir o mundo
ao redor de si e nas brincadeiras e correrias, enquanto o adolescente, cada vez mais
embriagado pelos hormônios e pelo corpo, paira nas fantasias do amor e do sexo. Os
adolescentes tentam desligar-se do mundo infantil recente, mas ainda não conseguem ter
consciência clara do mundo adulto. É uma fase de adaptação difícil onde o psiquismo sofre
uma verdadeira crise de mudanças.
O adolescente, através do comportamento representado, valoriza muito o seu corpo e a
sua imagem. Suas roupas e objetos facilitam a valorização da sua identidade e deve assumir
um comportamento cada vez mais parecido com o dos adultos sem, no entanto, copiá-lo.
O namoro exige um comportamento onde o parceiro veja no outro, não mais uma
criança. Essa convivência, que em alguns casos se completa no noivado, vai permitindo o
conhecimento mútuo. Além disso, é possível a cada parceiro conhecer melhor o interior da
família do outro; seria uma espécie de treinamento para saber com quem se está lidando e se
as diferenças entre um e outro, ou entre suas famílias, dá para mantê-los interessados. É o
caminho necessário e obrigatório para a vida adulta.
O adolescente deve ser apoiado e estimulado pela família para percorrer este caminho
da melhor forma possível para diminuir sua insegurança, sua timidez e a confusão que se
estabelece no psiquismo, tanto do jovem como da jovem, nessa fase da vida. É um verdadeiro
desastre para o futuro deles quando a família não lida bem com os anseios e comportamentos
desse período tão importante. O resultado aparece sempre nos casamentos apressados, na
gravidez precoce das jovens e nos graves conflitos que ocorrem nos primeiros anos do
casamento, onde as separações passam a ocorrer com maior freqüência.
Vários jovens se sentem verdadeiramente perseguidos pela família na fase do namoro
e por isso apressam o casamento para poder respirar livremente. Outros se escoram na fantasia
de que os pais, mesmo assustados com a gravidez, acabarão por aceitar o filho da filha e,
ambos juntos, permanecerão na família que lhes dará o sustento e o amor. Nesse caso teremos
um aborto social, ou seja, uma mulher ou um homem que não conseguiu fundar uma família e
cuidar dela.
Titios e titias, casamentos apressados, separações precoces, mães solteiras, todos
podem estar representando um abortamento das funções sociais para as quais os jovens devem
ser preparados.
Comportamento Reativo e Sexo
A primeira grande característica do sexo é ser individual. Cada indivíduo tem seu
sexo. A segunda, é ser diferenciado. Só há dois sexos: masculino e feminino.
A genética resumiu a apenas duas modalidades a probabilidade humana de ser sexual.
Curiosamente o homem e a mulher possuem cromossomos (elementos genéticos) de ambos os
sexos. Por que então que a natureza só permite o aparecimento de apenas uma característica
sexual em cada indivíduo? Por que foi negado ao ser humano e permitido à minhoca e ao
“escargot” serem hermafroditas? Por que pênis e vagina são molde e forma invertidos, um do
outro e se encaixam com perfeição? Temos que admitir que é muito difícil responder
satisfatoriamente essas perguntas. Nem mesmo é necessário respondê-las; seria o mesmo que
perguntar por que uma bola é redonda ou porque os peixes nadam e os pássaros voam.
Se fizermos uma pesquisa de opinião entre todos os homens e mulheres do planeta,
sobre quem gosta e quem não gosta de sexo, teremos sempre dois grupos diferentes: os que
gostam e assumem e os que gostam e negam.
Quais as razões que sustentam as palavras das pessoas que fazem propaganda antisexo.
Serão as mesmas pessoas que fizeram a mãe de Jesus ter um filho sem parto e ainda
continuar virgem? Ou serão aqueles que roubam o pão dos pobres e ainda pregam o controle
da natalidade? Ou as que negam emprego ou demitem as mulheres grávidas?
Vemos também que o dimorfismo sexual (diferença na forma) entre os dois sexos se
completa pelas diferenças anatômicas, hormonais e psicológicas. Parece que a natureza
propositadamente projetou duas criaturas inacabadas, isto é, feitas só pela metade; duas
bandas que isoladamente não tem sentido qualquer, mas, quando reunidas, se completam e se
integram ganhando sentido e função. Por essa razão é provável que homem e mulher foram
feitos um para o outro e, ambos, para o destino social. Que só se realizam plenamente como
indivíduos quando reunidos, propiciando o surgimento de novas vidas.
Somos levados a concluir que homem, mulher e filhos (a família) não são o resultado
de uma escolha, de uma mera opção individual. Talvez sejam atores de uma peça social que
não foi criada e nem pode ser dirigida por eles e, na qual, precisam atuar sempre sem terem
consciência exata do seu início e do seu final, encenando num palco sobre o qual muitos já
pisaram e outros muitos ainda pisarão. O sexo e a família não podem ser alterados na sua
substância porque, não são obra da engenharia humana.
O sexo é a isca mais atraente e mais gostosa que fisga homens e mulheres para,
igualmente, colocá-los no cesto familiar e despachá-los para o mercado social. Ninguém fisga
ninguém, ambos são fisgados e gostam de ser. Homens e mulheres são protagonistas na
atividade sexual, mas não são seus criadores. São, porém, os inventores da idéia que associa o
sexo ao pecado e à culpa.
Quem inventou a idéia de pecado? Algum esperto que pensou em tirar algum proveito
disso ou um fanático que resolveu se tornar inimigo do prazer, da família e da sociedade?
Por mais que nos esforcemos não conseguimos entender essa idéia. É uma idéia gerada
pela moralidade sexual da nossa sociedade ocidental, preconceituosa e cheia de contradições
ridículas. Homens e mulheres moralistas têm um comportamento hipócrita em relação a esse
assunto. Tornam-no misterioso e proibido para os filhos (repressão), mas quando reunidos
com amigos explodem em gargalhadas e se divertem ouvindo e contando anedotas eróticas.
Estão com a cabeça cheia de fantasias sexuais reprimidas, mas as suas bocas apregoam o
pecado e a castidade.
As “tentações da carne”, o “fogo do inferno” e o “juízo final” são frases feitas e
arquitetadas por uma civilização doente e carente de sexo. Organizações religiosas e grupos
de moralistas fazem a publicidade do sexo pela via do pecado e da culpa, mesmo sabendo
que o sexo é uma função natural e necessária. Cultuam “o espírito e condenam a carne”,
mantendo vivo o proselitismo do Bem e do Mal. Parece que têm o interesse em transferir o
“sexo sujo” para a cabeça das pessoas e manter os órgãos genitais como meros aparelhos de
urinar.
Manter a idéia de “sexo sujo” (pecado) deve ser importante para os que querem
preservar a subsistência desses grupos e dessas instituições. Homens e mulheres, escravos
dessa idéia, terão sempre uma vida sexual pobre e marginalizada e se manterão fervorosos
adeptos e leais colaboradores, dispostos a sustentar a bandeira da castração religiosa e o
brasão da falsa moralidade.
Nas doenças mentais e nas neuroses graves de crianças, adolescentes e adultos sempre
vemos esse brasão e essa bandeira tremulando no alto dessas cabeças doentes, como se
fossem as marcas subversivas à Ordem Natural.
Certa vez um fariseu sonhou com Deus e ele lhe disse: “Aqueles que subverterem a
Ordem Natural por Mim estabelecida, cairão em desgraça e serão amaldiçoados. Sofrerão de
impotência e frigidez, ficarão idiotas e serão conduzidos ao inferno da inveja do ódio e da
solidão.”
O famoso antropólogo Bronislau Malinowski, autor do livro “A Vida Sexual dos
Selvagens”, conta que os trobriandeses (povo primitivo do arquipélago melanésio) não
conheciam o homossexualismo até o dia em que os missionários europeus, escandalizados,
segregaram moças e rapazes em grupos separados. Entre eles não havia o estupro, nem crimes
sexuais. Eram raríssimas as separações entre os casados. Possuíam uma instituição especial (a
casa dos solteiros) onde moças e rapazes se namoravam e atuavam sexualmente para se
conhecerem melhor e poderem fazer uma boa escolha para o casamento. Não havia o
problema da gravidez precoce e as crianças, desde pequenas, não sofriam repressão sexual e
cresciam para se tornarem jovens livres e adultos saudáveis.
Entre os índios não aculturados da Amazônia presenciamos situações semelhantes.
Andam nus, mostrando naturalmente o corpo, e nos seus vocabulários não existe a palavra
“pecado”. Possuem rituais que cultuam com seriedade, e seguem com precisão os eventos
importantes como: o nascimento, a puberdade, a idade adulta, o casamento e a morte. Não
possuem um deus único e “Todo-Poderoso”. Estão sempre cercados de múltiplas entidades
espirituais que, como eles, têm defeitos e virtudes, bons e maus humores, brincam, fazem
desordens e copulam como os seres humanos.
Dizem alguns historiadores que a primeira invasão do Brasil pelos europeus foi feita
pelos portugueses no dia 22 de abril do ano de 1500. Quando eles aqui chegaram, ficaram
muito admirados com os costumes indígenas. Há informações de que outros europeus já
haviam antes visitados o litoral brasileiro antes de Cabral. Vamos reproduzir, a titulo de
ilustração, dois pequenos trechos de uma carta de Américo Vespúcio (La Lettera) que se
refere às novidades da nova terra e de seus habitantes:
“... que foi, que o rei Don Fernando de Castela tendo que mandar quatro
naves a descobrir novas terras para o ocidente, fui eleito por Sua Alteza que
eu fosse nessa frota para ajudar a descobrir. E partimos do porto de Cadiz no
dia 10 de Maio de 1497 e pegamos nosso caminho pelo grande golfo do mar
oceano, na qual viagem estivemos 18 meses e descobrimos muita terra firme
e infinitas ilhas, e grande parte delas habitadas, que os antigos escritores
delas não falam, creio porque delas não tiveram notícia; que se bem me
recordo, em algum li, que tinha que neste mar oceano, era mar sem gente.
...as suas riquezas são penas de pássaros de várias cores, ou rosário que
fazem de ossos de peixe, ou em pedras brancas, ou verdes, às quais se
metem pelas bochechas ou pelos lábios e orelhas; e de outras muitas coisas
que nós em coisa alguma as estimamos; não usam comércio, nem compram,
nem vendem. Em conclusão vivem e se contentam com aquilo que lhes dá a
natureza. As riquezas que nesta nossa Europa e noutras partes usamos, como
ouro, jóias, pérolas e outras divisas, não as têm em coisa alguma; e ainda
que nas suas terras as possuam, não trabalham para as ter, nem as estimam.
São liberais no dar, que por maravilha negam alguma coisa, e em
compensação liberais no pedir...”
Os navegadores europeus desconheciam naquela época a existência de milhões de
brasileiros que viviam felizes dentro de suas culturas. Ossadas humanas datadas de
aproximadamente onze mil anos e encontradas em Lagoa Santa (MG) e no Piauí, provam a
existência desses habitantes que ocupavam esse território sete mil anos antes do nascimento
de Cristo. Do ano de 1500 pare cá seus territórios continuam sendo invadidos e seus
verdadeiros donos massacrados para a exploração das riquezas da terra, como acontecia há
500 anos atrás. Pouca coisa mudou de lá para cá.
Os índios deveriam ser chamados de brasileiros e nós de nacionais, porque fundamos
uma nação em cima de outras que já existiam e que eram as originais donas da terra. Quando
eles se extinguirem perderemos a oportunidade de aprender outras formas de conviver
livremente sem dinheiro, sem pecados e sem políticos.
Voltemos à vida civilizada e ao modo como a sexualidade é tratada entre nós. São
muitos os pais e educadores que, ao invés de abrirem o jogo, ainda proíbem as brincadeiras
sexuais das crianças. Ensinam que colocar as mãos nos órgãos genitais não pode; que se
masturbar enfraquece o corpo, diminui a inteligência ou faz nascer cabelos nas palmas das
mãos. Sabemos atualmente que a masturbação, no período infantil e na adolescência, é
necessária ao desenvolvimento normal da sexualidade. Uma oportunidade de satisfazer o
instinto quando não é possível o ato real com um parceiro.
Pobres pais que sentem vergonha de contar para os filhos as suas experiências sexuais
da infância e da adolescência. Introduzir a educação sexual nas escolas? Que grande besteira!
Como pode dar certo, se muitos pais e educadores ainda sentem vergonha das suas idéias
atrasadas e preconceituosas a respeito de sexo? Crianças e jovens já têm conhecimento
intuitivo sobre sexualidade antes mesmo de nascerem. Quem ensinou os patos a nadar? Quem
ensinou as aves e as borboletas a voar? A escola?
Só precisamos não atrapalhar, não mentir, e falar livremente e sem constrangimentos
que o sexo, a vontade de comer, a vontade de urinar, defecar e dormir são coisas boas e
necessárias à vida de todos. Quanta complicação arranjamos para coisas tão simples!
Comportamento Reativo e Homossexualismo
Sempre houve muita polêmica em torno do fenômeno homossexual. Enquanto uns
falam de doença, outros falam em sem-vergonhice. Os homossexuais e muitos intelectuais
defendem a tese de “opção”, de escolha consciente. Inventou-se as expressões “variação
sexual” e “preferência sexual”. Essas expressões englobariam as tendências e experiências de
heterossexuais, bissexuais, transexuais, travestis, transformistas, “drag queens”, homossexuais
enrustidos e assumidos.
As muitas denominações propostas para estabelecer diferenças entre o heterossexual
convicto e as outras tendências incluem diferentes conotações embutidas nos termos: viado,
bicha, boneca, entendido, maricas, almofadinhas, fresco, gay, jeitoso, vinte e quatro, rapaz
alegre, delicado, filhinho da mamãe, pederasta, florzinha, mandrake, etc.
O tom jocoso e irônico é quase sempre agressivo, insulta e provoca a discriminação, o
desprezo e a aversão por esse tipo de posição sexual. A sociedade os trata como marginais e
ao mesmo tempo propala os seus direitos, sobretudo quando geram produção e circunstâncias
lucrativas. Há mesmo quem use a expressão “terceiro sexo” para instituir a homossexualidade
como função biopsicossocial, natural e legal.
O homossexualismo feminino, menos divulgado, curiosamente possui poucas
denominações através de termos como: lésbica, sapatão e machona. É menos comentado, mais
dissimulado e aceito socialmente. Quase sempre não é exibicionista, portanto se torna menos
visível. É interessante notar que no homossexualismo masculino o indivíduo ativo é
compreendido e o passivo criticado e humilhado. No feminino a situação é invertida;
enquanto o indivíduo ativo é discriminado e ridicularizado, o passivo quase não aparece e é
mais perdoado.
Nossa cultura machista é desconcertante e contraditória quando escolhe o homem
como figura mais importante da sociedade, ou seja, o homem que se comporta como mulher,
deve ser perseguido; mas a mulher que quer ser homem, embora discriminada - por querer
ocupar o lugar do homem - passa a ser menos perseguida por desejar alcançar a suposta
posição do “ser superior” - o homem.
Já tratamos anteriormente da necessidade de identificar-se inerente à natureza humana.
O homem precisa ser identificado nos seus atributos biológicos, psicológicos e sociológicos,
assim como a mulher também precisa. Esse patrulhamento severo e neurótico da sociedade
civilizada fixa e determina essa identidade pela prática sexual do indivíduo, genitalizando essa
identificação. O homossexual ativo continua sendo “homem” e o passivo perde essa condição.
A homossexual ativa perde sua identidade feminina, e a passiva a mantém preservada. Por
que?
Entre os povos primitivos esse fenômeno aparece raramente no comportamento das
pessoas, embora suas cargas genéticas possuam os mesmos cromossomos sexuais masculinos
e femininos que existem nas células dos civilizados. Por que, então, entre eles, o “problema”
da homossexualidade é difícil de ser encontrado? Como eles conseguem realizar esse
milagre?
Antes vamos ver como isso acontece com os animais irracionais. Muitos já
presenciaram animais do mesmo sexo tentando montar, isto é, praticar o ato sexual uns com
os outros. Normalmente eles não conseguem por não ser essa a meta e freqüência da função
preestabelecida pelos instintos naturais. E se conseguem, nada resulta a não ser o prazer
efêmero do ato, que na maioria das vezes não é aceito pelo parceiro. Os cães e as cadelas se
mordem em verdadeiras batalhas quando percebem que o parceiro é do mesmo sexo. Não
foram programados pela natureza para subverter aos instintos, porém, se o número de fêmeas
ou de machos se torna escasso, a freqüência desse comportamento homossexual tende a
aumentar. Se estiverem convivendo em situações antinaturais (prisão, fome, espancamentos,
isolamento prolongado) a persistência desse comportamento pode alterar ou perverter o
condicionamento instintivo.
Gatos que convivem com cães sem brigarem, ratos brancos que não sentem medo de
gatos ou cachorros, tigres e onças que convivem pacificamente com seus donos são situações
muito conhecidas e que mostram com clareza as profundas modificações que podem ocorrer
no comportamento instintivo dos animais.
O comportamento sexual no homem não é diferente, do ponto de vista de sua base
instintiva, do dos outros animais. Pode, da mesma forma, alterar-se e seguir outras tendências,
se estiver submetido a pressões antinaturais.
A sabedoria da engenharia natural deixou sempre uma margem de segurança para
redirecionar e preservar a espécie. Indivíduos masculinos e femininos possuem uma condição
genética, psicológica e sociológica mista, isto é, preparada para reorganizar as espécies em
casos de profundas alterações do equilíbrio ambiental.
Se determinado indivíduo masculino está tendente sempre a desempenhar seu papel
masculino isso não significa que ele, de vez em quando, não possa fazer ensaios ou
treinamentos de papéis femininos, mesmo inconscientemente ou em sonhos. Voltará ao papel
preferido quando perceber que esses ensaios não lhe agradam, que não combinam com o seu
desejo ou com sua posição social no grupo ao qual pertence.
Se não estiver submetido ou não tiver passado por situações antinaturais, escolherá
voltar sempre para o papel original. Isso fica demonstrado em situações nas quais muitos
homens se sentem compelidos a imitar mulheres em peças de teatro ou no Carnaval. Os que
assistem reagem freqüentemente da seguinte maneira:
=> Riem, achando muito engraçado
=> Dissimulam indiferença
=> Reagem com irritação criticando a cena
=> Se mostram interessados e imitam o ator
Todas essas reações demonstram o quanto de atenção prestamos e nos interessamos
pelas manifestações da homossexualidade. Homens e mulheres civilizados trazem sempre
para o tema da conversa esse tipo de manifestação do comportamento. Riem, fofocam, fingem
que se assustam, criticam ou reagem favoravelmente ou contra esses comportamentos.
Não devemos considerar o comportamento reativo homossexual como doença ou semvergonhice,
como bom ou mau comportamento, como direito ou falta de direito, como
conquista ou retrocesso. É sensato compreendê-lo como sintoma social. Como forma reativa
individual frente a pressões antinaturais geradas pelo próprio processo civilizatório, que se
projeta contra os indivíduos de ambos os sexos. Na verdade parece ser um mecanismo de
segurança usado pela natureza para a preservação da espécie, já que é através do mecanismo
de reprodução que ela se utiliza para alcançar esse fim.
É possível que as manifestações homossexuais humanas possam se originar do
ambiente antinatural (ausência de modelo cultural equilibrado) da civilização ocidental, que
também produz com excessiva freqüência outros fenômenos como: suicídio, prostituição,
mendicância, fome e o uso excessivo de drogas.
Não somos homens ou mulheres. Estamos homens ou mulheres enquanto função
masculina ou feminina à disposição do caminho da evolução da espécie. Na verdade somos,
ou estamos sendo, sempre uma metade ou outra, dependendo de como nos sentimos e a que
pressões estamos sendo submetidos dentro do ambiente confuso e desintegrador da sociedade
branca. O nosso comportamento reativo está sempre mexendo com as nossas metades. A
sabedoria da natureza está muitos milhões de anos-luz à frente daquilo que costumamos
chamar de “sabedoria humana”. É preciso que nos resignemos sempre à nossa condição de
criaturas e não de criadores. Erramos muito e acertamos pouco, mas, ainda assim, queremos
viver e conviver.
A alavanca criadora da natureza sempre esteve preocupada com a preservação das
espécies. A minhoca, por exemplo, um ser de poucos recursos, que é obrigada a viver
embaixo da terra, foi presenteada com dois sexos, ou seja, é hermafrodita. Uma minhoca num
prolongado ato sexual com outra minhoca é capaz de engravidar e ficar grávida ao mesmo
tempo. Ambas passam a ser, simultaneamente, pai e mãe; seus filhotes terão, portanto, dois
pais e duas mães. Além disso, se for cortada uma parte do seu corpo, o pedaço que sobrou
pode regenerar-se e reproduzir o que faltou.
Nossa metade branca nos diz que, se esse presente da natureza tivesse cabido a nós, a
anarquia seria total. E, mesmo assim, ainda nos consideraríamos seres inteligentes e
lutaríamos pelo controle da natalidade.
Os criadores de peixes ornamentais em aquários e tanques, já viram lindos machos de
peixes, com o tempo, se transformarem em fêmeas que acabaram por parir muitos filhotes.
Outras vezes, fêmeas prolíficas, começam a mudar de cor e suas nadadeiras se alongam como
a dos machos e elas começam a perseguir outras fêmeas. Galinhas cantando como galos e
montando nas suas companheiras de sexo e tantos outros exemplos entre animais nos faz
lembrar que pertencemos, sim, à escala zoológica.
O hermafroditismo e a metamorfose sexual, entre outros, são fenômenos do reino
animal que demonstram com perfeição como a natureza se preveniu para manter e preservar
as espécies. Nossa ignorância, muitas vezes, não está preparada para entender esses recursos.
Para ilustrarmos como os índios se organizam dentro de seus modelos culturais e
simbolizam os conceitos de masculino e feminino, passaremos a transcrever um trecho do
livro “A Sociedade contra o Estado” do etnólogo Pierre Clastres. Trata do Arco (símbolo
masculino) e do Cesto (símbolo feminino) determinando uma organização e um equilíbrio na
cultura dos índios Guaiaquí. Começa assim:
“Uma oposição muito clara organiza e domina a vida quotidiana dos guaiaquí:
aquela dos homens e das mulheres cujas atividades respectivas, marcadas
fortemente pela divisão sexual das tarefas, constituem dois campos nitidamente
separados e, como aliás em todos os lugares, complementares. Mas,
diferentemente da maioria das outras sociedades indígenas, os guaiaquí, não
conhecem forma de trabalho em que participem ao mesmo tempo os homens e as
mulheres. A agricultura, por exemplo, alterna tanto atividades masculinas como
femininas, já que, se em geral as mulheres se dedicam a semear, a limpar os
campos de cultivo e a colher os legumes e cereais, são os homens que se
encarregam de preparar o lugar das plantações derrubando as árvores e
queimando a vegetação seca. Mas, se os papéis são bem distintos e nunca se
misturam nem por isso deixam de assegurar em comum o início e o sucesso de
uma operação tão importante como a agricultura. Ora, nada disso ocorre com os
guaiaquí.
Nômades que tudo ignoram da arte de plantar, sua economia apoia-se
exclusivamente na exploração dos recursos naturais que a floresta oferece. Estes
se distribuem sob duas rubricas principais: produtos da caça e produtos da
coleta, esta última compreendendo sobretudo o mel, as larvas e o cerne da
palmeira Pindo.
Poderíamos pensar que a procura dessas duas classes de alimento se conformaria
ao modelo muito difundido na América, do Sul segundo o qual os homens
caçam, o que é natural, deixando para as mulheres o cuidado de coletar. Na
realidade, as coisas se passam de maneira muito diferente, uma vez que, entre os
guaiaquí, os homens caçam e também coletam. Não que, mais atentos que outros
ao lazer de suas esposas, quisessem dispensá-las das tarefas que normalmente
lhes caberiam; mas, de fato, os produtos da coleta são obtidos à custa de
operações penosas que as mulheres dificilmente realizariam: localização das
colméias, extração do mel, derrubada das árvores, etc. Trata-se então de um tipo
de coleta que concerne bem mais as atividades masculinas. Ou, em outros
termos, a coleta conhecida em outros lugares na América e que consiste na
obtenção de bagas, frutas, raízes, insetos etc. É quase inexistente entre os
guaiaquí, pois, na floresta por eles ocupada não são abundantes os recursos desse
gênero. Então, se as mulheres praticamente não coletam, é porque nela quase
nada existe para ser coletado.
Conseqüentemente, como as possibilidades econômicas dos guaiaquí estão
culturalmente reduzidas pela ausência da agricultura e naturalmente reduzidas
pela relativa raridade dos alimentos vegetais, a tarefa cada dia recomeçada de
procurar alimentação para o grupo incumbe essencialmente aos homens. Isso
não significa que as mulheres não participam na vida material da comunidade.
Além de lhes caber a função, decisiva para os nômades, do transporte dos bens
familiares, as esposas dos caçadores fabricam cestos, potes, cordas para os arcos;
elas cozinham, cuidam das crianças etc. Longe, então, de serem ociosas, elas
dedicam inteiramente o tempo de que dispõem à execução de todos esses
trabalhos necessários. Mas não deixa de ser verdade que no plano fundamental
da “produção” de alimentos, o papel de fato menor desempenhado pelas
mulheres deixa aos homens o absorvente e prestigioso monopólio. Ou, mais
precisamente, a diferença entre homens e mulheres ao nível da vida econômica
surge como a oposição de um grupo de produtores e de um grupo de
consumidores.
O pensamento guaiaquí, como veremos, exprime claramente a natureza dessa
oposição que, por estar situada na própria raiz da vida social da tribo, comanda a
economia de sua existência quotidiana e confere sentido a todo um conjunto de
atitudes na qual se liga a trama das relações sociais.
O espaço dos caçadores nômades não se pode repartir segundo as mesmas linhas
que o dos agricultores sedentários. Dividido por estes em espaço da cultura,
constituído pela aldeia e pelos campos de cultivo, e em espaço da natureza
ocupado pela floresta circundante, ele se estrutura em círculos concêntricos. Para
os guaiaquí, ao contrário, o espaço é constantemente reduzido à pura extensão
onde é abolida, ao que parece, a diferença da natureza e da cultura. Mas, na
realidade, a oposição já salientada no plano da vida material fornece igualmente
o princípio de uma dicotomia do espaço que, por ser mais disfarçada do que em
sociedades de outro nível cultural, nem por isso e menos pertinente.
Existe entre os guaiaquí um espaço masculino e um espaço feminino,
respectivamente definidos pela floresta onde os homens caçam e pelo
acampamento onde reinam as mulheres.
Sem dúvida as paradas são muito provisórias: elas raramente duram mais de três
dias. Mas é o lugar de repouso onde se consome a alimentação preparada pelas
mulheres, ao passo que a floresta é o lugar do movimento especialmente
destinado as incursões dos homens em busca da caça. Não poderíamos,
evidentemente, tirar desse fato a conclusão de que as mulheres são menos
nômades que seus esposos. Mas, por causa do tipo de economia em que está
apoiada a existência da tribo, os verdadeiros senhores da floresta são os
caçadores: eles efetivamente à cercam, pois são obrigados a explorá-la com
minúcia para explorar sistematicamente todos os seus recursos. Espaço do
perigo, do risco, da aventura sempre renovada para os homens, para as mulheres,
a floresta é, ao contrário, espaço percorrido entre duas etapas, travessia
monótona e fatigante, simples extensão neutra.
No pólo oposto o acampamento oferece ao caçador a tranqüilidade do repouso e
a ocasião de fazer trabalhos rotineiros, enquanto é para as mulheres o lugar onde
se realizam suas atividades específicas e se desenrola uma vida familiar que elas
controlam amplamente. A floresta e o acampamento encontram-se, assim,
dotados de signos contrários conforme se trate de homens ou de mulheres. O
espaço, poder-se-ia dizer, da “banalidade quotidiana” é a floresta para as
mulheres, o acampamento para os homens: pare estes a existência só se torna
autêntica quando a realizam como caçadores, quer dizer, na floresta, e para as
mulheres quando, deixando de ser meios de transporte, elas podem viver no
acampamento como esposas e como mães. Podemos então medir o valor e o
alcance da oposição socioeconômica entre homens e mulheres porque ela
estrutura o tempo e o espaço dos guaiaquí.
Ora, eles não deixam no impensado o vivido dessa práxis: têm uma consciência
clara e o desequilíbrio das relações econômicas entre os caçadores e suas
esposas se exprime no pensamento dos índios como a “oposição entre o arco e o
cesto”.
Cada um desses dois instrumentos é, com efeito, o meio, o signo e o resumo de
dois “estilos” de existência tanto apostos como cuidadosamente separados.
Quase não e necessário sublinhar que o arco, arma única dos caçadores, é um
instrumento exclusivamente masculino e que o cesto, coisa das mulheres, só é
utilizado por elas: os homens caçam, as mulheres carregam.
A pedagogia dos guaiaquí se estabelece principalmente nessa grande divisão de
papéis. Logo aos quatro ou cinco anos, o menino recebe do pai um pequeno arco
adaptado ao seu tamanho; a partir de então ele começara a se exercitar na arte de
lançar com perfeição uma flecha.
Alguns anos mais tarde, oferecem-lhe um arco muito maior, flechas já eficazes,
e os pássaros que ele traz para sua mãe são a prova de que ele é um rapaz sério e
a promessa de que será um bom caçador. Passam-se ainda alguns anos e vem a
época da iniciação; o lábio inferior do jovem de cerca de 15 anos é perfurado;
ele tem o direito de usar o ornamento labial, o “beta”, e é então considerado um
verdadeiro caçador, um “Kybuchuété” (caçador). Isso significa que um pouco
mais tarde ele poderá ter uma mulher e deverá conseqüentemente prover as
necessidades do novo lar.
Por isso, o seu primeiro cuidado, logo que se integra na comunidade dos homens
é fabricar para si um arco; de agora em diante membro “produtor” do bando, ele
caçará com uma arma feita por suas próprias mãos e apenas a morte ou a velhice
o separarão de seu arco.
Complementar e paralelo é o destino da mulher. Menina de 9 ou 10 anos, recebe
de sua mãe uma miniatura de cesto, cuja confecção ela acompanha atentamente.
Ela nada transporta, sem dúvida; mas, o gesto gratuito de sua marcha - cabeça
baixa e pescoço estendido nessa antecipação do seu esforço futuro - a prepara
para seu futuro próximo. Pois o aparecimento, por volta dos 12 ou 13 anos, da
primeira menstruação e o ritual que sanciona a chegada da sua feminilidade
fazem da jovem virgem uma “daré”, uma mulher que será logo esposa de um
caçador. Primeira tarefa do seu novo estado e marca da sua condição definitiva,
ela fabrica então o seu próprio cesto. E cada um dos dois, o jovem e a jovem,
tanto senhores como prisioneiros, um do seu cesto, o outro do seu arco,
ascendem dessa forma à idade adulta. Enfim, quando morre um caçador, seu
arco e suas flechas são ritualmente queimados, como o é também o último cesto
de uma mulher: pois, como símbolos das pessoas, não poderiam sobreviver a ela.
Os guaiaquí apreendem essa grande oposição, segundo a qual funciona sua
sociedade, por meio de um sistema de proibições recíprocas: uma proíbe as
mulheres de tocarem o arco dos caçadores; outra impede os homens de
manipularem o cesto. De um modo geral, os utensílios e instrumentos são
sexualmente neutros, se se pode dizer: o homem e a mulher podem utilizá-los
indiferentemente; só o arco e o cesto escapam a essa neutralidade.
Esse tabu sobre o contato físico com as insígnias mais evidentes do sexo oposto
permite evitar assim toda transgressão da ordem sócio-sexual que regulamenta a
vida do grupo. Ele é escrupulosamente respeitado e nunca se assiste à estranha
conjunção de uma mulher e um arco nem aquela, mais que ridícula, de um
caçador e um cesto. Os sentimentos que cada da sexo experimenta com relação
ao objeto privilegiado do outro são muito diferentes: um caçador não suportaria
a vergonha de transportar um cesto, ao passo que sua esposa temeria tocar seu
arco. É que o contato da mulher e do arco é muito mais grave que o do homem e
do cesto. Se uma mulher pensasse em pegar um arco, ela atrairia, certamente,
sobre seu proprietário o “pané”, quer dizer, o azar na caça, o que seria desastroso
para a economia dos guaiaquí.
Quanto ao caçador, o que ele vê e recusa no cesto é precisamente a possível
ameaça do que ele teme acima de tudo, o “pané”. Pois, quando um homem é
vítima dessa verdadeira maldição, sendo incapaz de preencher sua função de
caçador, perde por isso mesmo a sua própria natureza e a sua substância lhe
escapa: obrigado a abandonar um arco doravante inútil, não lhe resta senão
renunciar a sua masculinidade e, trágico e resignado, encarrega-se de um cesto.
A dura lei dos guaiaquí não lhe deixa alternativa. Os homens só existem como
caçadores, e eles mantêm a certeza da sua maneira de ser preservado o seu arco
do contato da mulher. Inversamente, se um indivíduo não consegue mais
realizar-se como caçador, ele deixa ao mesmo tempo de ser homem: passando do
arco para o cesto, metaforicamente ele “se torna uma mulher”. Com efeito, a
conjunção do homem e do arco não se pode romper sem transformar-se na sua
inversa e complementar: aquela da mulher e do cesto.
Ora, a lógica desse sistema fechado, constituído de quatro termos grupados em
dois pares opostos, ficou provada: havia entre os guaiaquí dois homens que
carregavam cestos: Um, Chachubutawachugi, era “panema”. Não possuía arco e
a única caça à qual podia entregar-se de vez em quando era captura à mão de
tatus e quatis: tipo de caça que, embora correntemente praticada por todos os
guaiaquí, está bem longe de apresentar a seus olhos a mesma dignidade que a
caça com o arco, o “jyvondy”. Por outro lado Chachubutawachugi era viúvo; e,
como era “panema”, nenhuma mulher queria saber dele, mesmo que a titulo de
marido secundário. Ele tampouco procurava integrar-se à família de um de seus
parentes: estes teriam julgado indesejável a presença permanente de um homem
que agravasse sua incompetência técnica com um excelente apetite. Sem esposa
porque sem arco, só lhe restava aceitar, sua triste sorte. Nunca acompanhava os
outros homens em suas expedições de caça, mas partia, só ou em companhia das
mulheres, em busca de larvas, mel ou dos frutos que ele havia antes localizado.
E, para poder transportar o produto de sua coleta, munia-se de um cesto que uma
mulher lhe havia dado de presente. Como o azar na caça lhe destruía o acesso as
mulheres, ele perdia, ao menos parcialmente, sua qualidade de homem e se
achava assim rejeitado no campo simbólico do cesto.
O segundo caso é um pouco diferente; Krembégi era na verdade um sodomita.
Ele vivia como as mulheres e, a semelhança delas, mantinha em geral os cabelos
nitidamente mais longos que os outros homens, e só executava trabalhos
femininos: ele sabia tecer e fabricava, com os dentes de animais que os
caçadores lhe ofereciam, colares que demonstravam um gosto e disposições
artísticas muito melhor expressas do que nas obras das mulheres. Enfim, ele era
evidentemente proprietário de um cesto. Em suma Krembégi atestava assim no
seio da cultura guaiaquí a existência inesperada de um refinamento
habitualmente reservado a sociedades menos rústicas.
Esse pederasta incompreensível vivia como uma mulher e havia adotado as
atitudes e comportamentos próprios desse sexo; ele recusava, por exemplo, tão
seguramente o contato de um arco como o caçador o do cesto. Ele considerava
que seu lugar natural era o mundo das mulheres; Krembégi era homossexual
porque era “panema”. Talvez também seu azar na caça proviesse de ser ele,
anteriormente, um invertido inconsciente. Em todo caso, as confidências de seus
companheiros revelavam que sua homossexualidade se tornara oficial, quer
dizer, socialmente reconhecida, quando ficara evidente a sua incapacidade de se
servir de um arco: para os próprios guaiaquí ele era um “Kyrypy-meno” (ânus -
fazer amor) porque era “panema”.
Os “aché” mantinham aliás uma atitude muito diferente com relação a cada um
dos dois carregadores de cesto que acabamos de evocar. O primeiro,
Chachubutawachugi, era objeto de caçoada geral, se bem que desprovida de
verdadeira maldade: os homens o desprezavam bastante nitidamente, as
mulheres dele riam à socapa, e as crianças tinham por ele um respeito muito
menor do que pelos outros adultos. Krembégi ao contrário não despertava
nenhuma atenção especial; consideravam-se evidentes e adquiridas a sua
incapacidade como caçador e a sua homossexualidade. De tempos em tempos,
certos caçadores faziam dele seu parceiro sexual, manifestando nesses jogos
eróticos mais libertinagem - ao que parece - do que perversão. Mas não ocorreu
nunca por parte deles qualquer sentimento de desprezo para com ele.
Inversamente e se conformando nisso à imagem que deles fazia sua própria
sociedade, esses dois guaiaquí se mostravam desigualmente adaptados ao seu
respectivo estatuto.
Krembégi estava tão à vontade, tranqüilo e sereno em seu papel de homem
tornado mulher, quanto Chachubutawachugi parecia inquieto, nervoso e
freqüentemente descontente. Como se explica essa diferença introduzida pelos
“aché” no tratamento reservado a dois indivíduos que, ao menos no plano
formal, eram “negativamente” idênticos ?
É que, ocupando ambos uma mesma posição em relação aos outros homens, uma
vez que os dois eram “panema”, seu estatuto positivo deixaria de ser
equivalente, pois um deles, Chachubutawachugi, embora obrigado a renunciar
parcialmente às determinações masculinas, permanecera um homem, enquanto o
outro, Krembégi, assumira até as últimas conseqüências sua condição de homem
não-caçador, tornando-se uma mulher. Ou, em outros termos, Krembégi havia
encontrado, por meio de sua homossexualidade, o “topos” ao qual o destinava
logicamente sua incapacidade de ocupar o espaço dos homens; o outro, em
compensação, recusando o movimento dessa mesma lógica, estava eliminado do
círculo dos homens sem, entretanto, com isso integrar-se ao das mulheres. O que
significa dizer que, literalmente, “ele não estava em lugar algum”, e que sua
situação era muito mais incômoda que a de Krembégi.
Este último ocupava aos olhos dos “aché” um lugar definido, embora paradoxal;
e desprovida, em certo sentido, de toda ambigüidade, sua posição no grupo
resultava normal, mesmo que essa nova norma fosse a das mulheres.
Chachubutawachugi, ao contrário, constituía por si mesmo uma espécie de
escândalo lógico; não se situando em nenhum lugar nitidamente identificável,
ele escapava do sistema e introduzia nele um fator de desordem: o anormal, sob
certo ponto de vista, não era o outro, mas ele. Daí sem dúvida a agressividade
secreta dos guaiaquí com relação a ele, que se manifestavam por vezes nas
caçoadas. Daí também, provavelmente as dificuldades psicológicas que ele
experimentava e um sentimento agudo de abandono: tão difícil é manter a
conjunção de um homem e de um cesto.
Chachubutawachugi queria, pateticamente, permanecer um homem sem ser um
caçador: ele se expunha assim ao ridículo e, portanto, às caçoadas, pois era o
ponto de contato entre duas regiões normalmente separadas.
Pode-se supor que esses dois homens mantivessem ao nível de seu cesto a
diferença das relações que tinham com sua masculinidade. De fato Krembégi
carregava seu cesto como as mulheres, isto é com a tira do suporte “sobre a
testa”. Quanto a Chachubutawachugi, colocava a tira “sobre o peito” e nunca
sobre a teste. Era claramente uma maneira desconfortável e muito mais fatigante
do que a outra, de transportar o cesto; mas era também para ele o único meio de
mostrar que, mesmo sem arco, continuava sendo um homem.”
Vimos então que a Ordem Natural aceita certas diferenças, mas não suporta a
confusão. Vimos também que na organização social dos guaiaquí a identidade sexual da tribo
fica preservada quando distribui as tarefas masculinas e femininas, determinando assim os
seus símbolos no plano da cultura.
Sua organização social vincula a identidade sexual ao trabalho, a economia, aos
símbolos (arco e cesto) e ao mito (panema = azar). Não é apenas a prática sexual ou a
genitália que identifica e difere o masculino do feminino nessa sociedade com modelo cultural
preservado e em equilíbrio. Essa prática de representar o sexo entre eles é o resultado da forte
integração sociocultural onde todos os elementos (tarefas, símbolos, economia, identidade e
mito) estão indissoluvelmente ligados para permitir a tradição do grupo e facilitar a vida
grupal.
Cabe agora uma pergunta: em que lugar do “mundo civilizado” podemos encontrar um
modelo cultural tão equilibrado e saudável para o desenvolvimento psicossocial dos
indivíduos? A expressão “cultura civilizada” possui algum sentido coerente?
A homossexualidade encontrada na vida civilizada resulta de uma desorganização
cultural progressiva e expressa a desorganização dos sentimentos, princípios e valores que
normalmente existem e se encontram integrados nos modelos socioculturais organizados. A
preferência sexual depende menos de uma simples escolha individual e está diretamente
relacionada ao modo de viver e conviver dentro de parâmetros predeterminados e bem
definidos pela cultura dos grupos sociais.
Nesse particular conseguimos não ser tão diferentes dos índios. Guardarmos, ainda
que de forma distorcida e anárquica, alguns valores, símbolos e tarefas correspondentes ao
masculino e ao feminino. Alguns homens não aceitam as cores lilás e cor-de-rosa nas suas
roupas. O uso de brincos, pulseiras e colares não são bem aceitos por todos os homens.
Tarefas como a de figurinistas, cabeleireiros e colunistas sociais ainda são tratados como
pouco masculinas. É raro se ver mulheres trabalhando em serviços braçais pesados, dirigindo
tratores ou fumando cachimbos.
O fenômeno homossexual quando visto somente pelo ângulo individual, da prática
sexual, se mostra falso e pobre. Toda sociedade equilibrada o conhece e reconhece associado
às funções, bio-psico-sócio-culturais.
Furto e Afeto
O furto é uma forma simbólica de ganhar afeto. Todos nós aprendemos a furtar na
sociedade civilizada porque precisamos preencher de vez em quando os nossos sacos vazios
de afeto. Não importa se o que “temos” está em forma de patrimônio, objetos, dinheiro,
capacidade intelectual, talento, prestígio ou qualquer uma outra condição que nos permita
sentir satisfação e felicidade. A nossa identidade pessoal precisa de algo mais que nos
“preencha” de alguma forma, que nos faça sentir que “temos” alguma importância para nós e
para os outros.
Com o desenvolvimento tecno-industrial a humanidade experimentou uma série de
transformações rápidas no que diz respeito às suas aquisições internas, ou seja, nos
sentimentos, princípios e valores individuais que a vivência da cultura nos imprime. Isso pode
ter modificado nosso comportamento.
Furtar significa “incorporar, colocar para dentro” algum valor, algo de muito
importante para alguém ou para nós. Como o ato de furtar não é aceito socialmente e, muitas
vezes, vem acompanhado de reprovação e punição, é comum a pessoa que furta experimentar
variados sentimentos como: medo, vergonha, excitação, apreensão, prazer, etc. É como ser
apanhado em flagrante num gesto infantil e primário que remete ao mais profundo e escuro
local da nossa intimidade afetiva; é uma forma proibida e angustiante de manter contato com
os outros e conosco mesmo.
Todos nós, ou já sentimos desejo de furtar ou já furtamos alguma vez na vida. Não
interessa o valor do que foi furtado e sim o ato simbólico do furto. O afeto e o furto estão
fortemente associados e presentes dentro de todos nós porque vivemos em uma sociedade
cujo estatuto central é o de “ter ou possuir para ser visto, amado ou admirado”.
Quem já não ouviu contar casos de pessoas que furtam livros, plantas, canetas,
isqueiros, obras criadas por outros, objetos de avião, de restaurantes e de tantos outros
lugares? Todos furtamos. Na maioria das vezes não sabemos explicar de onde se originam
esses impulsos estranhos, o que estamos querendo preencher com esses furtos e quais as
mensagens afetivas que estão contidas neles. Mas, mesmo assim, furtamos! Somos ladrões de
afeto e estamos sempre insatisfeitos com as nossas repetidas e arriscadas investidas.
Há três modalidades de furtos: os grosseiros, os medianos e os leves ou sutis. Há quem
use a violência para retirar do outro aquilo que deseja para si; há os que mentem para poderem
adquirir mais um pouco do que poderia ser adquirido se falassem a verdade; há os que
representam durante muito tempo, utilizando-se de vários artifícios, para conseguirem afinal
os seus objetivos de ganhar alguma coisa.
Alguns donos de supermercados, lojas, empresas de diversas naturezas furtam nos
preços porque sentem que estão perdendo alguma coisa ou poderiam ganhar um pouquinho
mais e tentam justificar com elegância a “coerência” desses furtos. Diferentes prestadores de
serviços usam seus “truques” para conseguir alcançar os mesmos objetivos.
Pai e filho, irmão e irmão, amigo e amigo, patrão e empregado, homens e mulheres,
todos nós, fazemos das nossas relações humanas, com freqüência cada vez maior, um espaço
de “ganho material” (sinônimo e código de ganho afetivo) para alcançarmos o nosso objetivo
de plenitude interna. A nossa voracidade no ganhar, no entanto, nunca nos preenche porque
não consegue atingir o centro do nosso verdadeiro desejo: o afeto. Atributo importantíssimo
para o equilíbrio constante do psiquismo e muito raro nos dias de hoje. Tão raro que é preciso
furtá-lo por não ser concedido facilmente de forma aberta e gratuita.
Estranhamos muito e, sempre foi muito difícil, para nós, compreender a vida e os
relacionamentos das sociedades humanas naturais, na sua aparente simplicidade, que nos
mostra claramente uma rica e complexa rede de experiências afetivas, econômicas, religiosas
e muitas outras. Há quem os chame de “povos primitivos” ou de “indígenas”; há os que os
considerem atrasados, preguiçosos, sem tecnologia, pré-letrados ou pré-colombianos. Inveja?
Desinformação? Negação da realidade? Etnocentrismo? Não interessa a razão. Lá, eles não
conhecem o “furto” assim como o conhecemos aqui, porque não há necessidade de furtar
numa sociedade que guardou dentro do seu espaço cultural um lugar privilegiado para o afeto.
Dentro e fora desses indivíduos existem lugares e momentos dedicados às relações humanas
afetivas que não foram ainda substituídos pela voraz, desesperada e ineficaz “corrida para o
consumo” com a qual estamos acostumados.
Quando um índio guarda por algum tempo um objeto desconhecido, trazido por um
“civilizado” para a aldeia, por simples curiosidade, não é um furto. O verdadeiro furto se
origina do impulso ou da compulsão em apropriar-se de alguma coisa pela necessidade de
preencher algum “vazio” afetivo preexistente e gerado por um “modo de viver” que não
reservou um lugar especial para o afeto no terreno dos contatos entre as pessoas.
Não vemos e não temos informações de fontes idôneas sobre a ocorrência de furtos
nessas sociedades naturais porque não é da natureza humana equilibrada o desejo de fazer
contatos interpessoais através do furto. Essa forma inadequada de relacionar-se só vinga nas
sociedades que costumamos chamar de “civilizadas”, sinônimo de “sociedades socialmente
desequilibradas”. Social, econômica, religiosa e afetivamente desequilibradas.
Outras civilizações mais antigas já percorreram o mesmo caminho que estamos
insistindo em repetir e se deram mal: desapareceram e não existem mais. Não souberam
construir o Templo do Afeto, local na cultura, onde se deve erigir o altar para o culto das
relações afetivas entre os homens, mulheres e crianças. Regredimos no tempo para voltar a
adorar os mesmos conceitos antigos de “progresso e desenvolvimento econômico” usados
pelos povos antigos.
Ouvimos com freqüência, através do discurso de políticos e autoridades econômicas,
expressões como: “Quando o país encontrar sua estabilidade econômica...”, “se a inflação
cair...”, “quando houver melhor distribuição da renda...”, todas direcionadas para uma
expectativa econômico-financeira, esquecendo-se esses senhores que o fenômeno econômico
e suas distorções são resultantes das distorções do comportamento humano, dos seus sonhos,
das suas ambições e fantasias e, - por que não dizer? - das patologias pessoais e dos grupos de
pessoas que controlam a vida política e econômica das nações civilizadas.
Entre os povos das sociedades naturais aprendemos mais sobre progresso e
desenvolvimento humano do que em toda a nossa vida nas escolas e universidades civilizadas,
nos livros escritos sobre o assunto e nos simpósios, congressos e seminários dos quais
participamos. Nunca veremos escolas ou templos deles, nunca assistiremos um professor falar
entre eles, nada há escrito em livros. Há apenas a convivência diária. Quem ensinou a eles
essa forma tão sábia de viver e conviver? Não sabemos. Só sabemos que já vivemos como
eles vivem hoje, há alguns milênios atrás. Talvez tenhamos esquecido muita coisa do que eles
sabem.
Se perguntássemos aos antropólogos porque os admiram tanto, provavelmente
responderiam: “Porque vemos neles o que fomos ontem e o que - de uma forma nova e
adaptada - poderemos ser amanhã. Não dá mais para viver (e assistir outros vivendo) numa
sociedade sem futuro, onde violência, injustiça e fome existem porque dão lucro e geram
notícias e empregos.
O furto é o sintoma de uma sociedade infeliz. Uma sociedade “sem espírito de corpo”,
isto é, sem eixo cultural, sempre em dúvida se deve ou não situar a figura humana no centro
dos seus sentimentos, princípios e valores. Furtamos porque nos sentimos infelizes e solitários
e acreditamos que uma grande quantidade de bens materiais possa vir a mitigar o nosso
sofrimento. As crianças furtam porque se sentem solitárias ao lado dos pais, os pobres furtam
porque se sentem injustiçados e abandonados e os ricos vão continuar furtando porque, como
as crianças e os pobres, acreditam que a riqueza material possa lhes dar um dia o afeto, a
segurança e a felicidade que todos desejam ter dentro de si.
Furtar é um gesto humano e simbólico de quem se sente vazio de amor. Não devemos
reprovar os que furtam, sejam ricos, pobres ou crianças porque todos estão usando a mesma
linguagem para expressar a mesma mensagem. Somente os que se sentem satisfeitos
internamente com a solidariedade, a partilha, a generosidade, a convivência justa e fraterna
não sentem vontade de furtar porque já possuem o que de mais importante existe na vida: a
consciência plena da igualdade e da alegria de conviver em harmonia e num espaço afetivo
amplo e justo com todos.
O poder, o dinheiro e o prestígio possuem o mesmo significado e a mesma força no
interior das sociedades civilizadas. Todos ou quase todos os homens vivem sob a ilusão de
conquistá-los um dia. Na verdade esses três desejos do homem moderno representam uma
coisa só: o controle neurótico! Controlar os outros significa para o homem neurótico da nossa
civilização “a super-conquista sobre os demais”, a realização maior da sua estória humana, a
grande façanha de sair da mísera condição humana e se transformar no “maior super-herói de
todos os tempos” e, do alto desse “podium”, se sentir em condições de ganhar a “Taça do
Afeto”, a “Medalha da Segurança” e a “Fita do Amor”.
Ter certeza de que todos o amam, admiram e não o deixarão sozinho e de frente com a
sua solidão. Só assim sentir-se-á seguro para começar a procurar dentro de si o que já possui,
mas só consegue acreditar que exista do lado de fora, nos outros, e nos objetos que levou sua
vida inteira para adquirir. Furtar pode ser uma forma de abreviar esse caminho da busca da
felicidade interna para muitas pessoas que se esqueceram de construir esse “podium” e de
procurar taças, fitas e medalhas dentro de si próprias. Órfãos de uma sociedade que destrói
seus filhos ensinando-lhes o caminho da ganância da competição e da mentira.
Furtar é pedir socorro para os que julgamos proprietários da felicidade. É mendigar
afeto para outros mendigos que, como nós, também precisam furtar para se tornarem
aparentemente ricos.
Certa vez perguntaram a um mendigo qual o seu maior desejo. Ele respondeu: -
Morrer e ir para o céu...Lá não falta nada...Deus é Amor, é Esperança e Caridade. Há pessoas
que vivem pensando em morrer para poderem encontrar-se com a felicidade. Por que é
preciso morrer para ser feliz? Não é possível ser feliz vivendo? Furtar ou mendigar é um
passaporte para os que ainda não tiveram coragem para atalhar o caminho? Não sabemos
responder essas perguntas, mas nos sentimos muito tristes por saber que elas existem.
Perguntaram para um velho pescador, na Amazônia, que costumava distribuir, o peixe
que sobrava após a venda, para os outros moradores pobres do lugar, se ele não tinha medo de
ficar mais pobre ainda e lhe faltar no futuro o que ele generosamente distribuía no presente.
Ele olhou demoradamente, sorriu e falou com a serenidade de quem tem certeza: - “Eu sou
rico. Nunca faltou nada para mim e o que sobra eu dou pro’s outros. Estou com essa idade e
sempre fiz isso, nunca fiquei pobre por causa disso. Todo dia eu pesco e todo dia sobra peixe
e eu distribuo com quem não tem. Quando fico doente ou não posso pescar, sempre encontro
quem me dê. A riqueza tá dentro da gente e da Natureza, meu filho! Não acredite nessas
mentiras que andam inventando por aí... Donde você é?... Como é seu nome?... Quer um
peixe prá você? Eu tiro do meu...tem mais lá em casa...”.
Muitos ainda não acreditam que uma sociedade é um corpo só, constituído de vários
órgãos que são os povos, de vários tecidos que são as culturas e de várias células que são os
homens, mulheres e crianças. A nossa casa é o planeta, a nossa água são os oceanos, rios,
riachos e lagoas, as nossas plantas são as florestas e os campos e o nosso alimento é o amor.
Quantos já entraram nessa casa e já saíram dela? O que fizeram durante a sua permanência
provisória? O que faremos nós, os ainda residentes? Furtaremos os outros moradores para que
possamos ocupar os melhores e mais confortáveis lugares da casa? Cada um é dono apenas
dos seus “bens internos” - sentimentos, princípios e valores de caráter, - e do seu livrearbítrio.
Tão dono que os leva consigo após a morte.
Somos e seremos sempre usufrutuários dos bens materiais enquanto vivermos. Nunca
proprietários!!! Pois a morte nos ensina que o conceito de “propriedade” é uma frágil ilusão.
Cada experiência afetiva pessoal é intransferível e única. Sentir não é ter, é só sentir. Quando
sentimos uma alegria não nos tornamos proprietários dela, só a sentimos. Nossos sentimentos
morrem junto conosco, nossos bens serão distribuídos entre os vivos.
Só pararemos de furtar quando nos sentirmos próximos uns dos outros, quando essa
proximidade for verdadeira, quando nos trouxer alegria, justiça e paz; quando, espantados,
olharmos com atenção uns para dentro dos outros e virmos a nossa própria imagem refletir-se
do interior do outro, e voltar para nós inteira e igual.
A nossa imagem de pessoas inteiras não pode ser vista em qualquer espelho, só a nossa
consciência é capaz de refletir essa imagem que tanto desejamos ver. Furtar é uma mensagem
de amor...De falta de amor.
Ouvimos muitas estórias ocorridas em repartições públicas que mais parecem anedotas. É o caso de funcionários que ao perceberem algum erro cometido por eles, falam para o cidadão irritado: “desculpe, foi um erro do computador”.
Temos dificuldade em aceitar nossos erros, pedir desculpas ou refletir antes de falar. Nossa natureza freqüentemente nos impede de reaprender através das falhas e dos descuidos.
Nos sentimos inferiorizados quando nossos filhos, jovens e crianças percebem e apontam nossos defeitos. Vivemos tão voltados para dentro de nós, que não percebemos que estamos sendo observados e investigados nas nossas palavras e ações.
Para dar uma idéia desse fato selecionamos textos produzidos por adolescentes e préadolescentes na faixa etária que vai dos 11 aos 16 anos. Esses textos são reais, mas não identificam seus autores. Eles cursavam a 6ª, 7ª e 8ª séries de uma escola de classe média. Era um trabalho dirigido para a figura do pai e propunha a opção por dois títulos: “Meu pai, um amigo” e “Meu pai, esse ausente”. Alguns alunos resistiram em produzir o texto, mas como valia pontos e era tarefa escolar, acabaram aceitando.
Sabemos, porém, que crianças e adolescentes não se sentem à vontade relatando os defeitos dos pais para outras pessoas. Tentam muitas vezes atenuar, disfarçar ou inverter seus sentimentos e conceitos próprios, para não se sentirem culpados ou por acreditarem que seus pais podem mudar algum dia. Acabam optando pelo que desejam que aconteça e não pelo que realmente observam. Essa tese ficou confirmada, pois, de noventa textos examinados, a metade fazia boas referências ao comportamento paterno; a outra metade sinalizava os defeitos, mas, logo em seguida, os desculpava, perdoava ou aceitava, pelo menos
aparentemente. Mesmo assim mostraremos os textos tal como foram escritos, sem qualquer interferência da nossa parte.
É de grande importância observar nestes textos os fatores que podem originar distorções no desenvolvimento da personalidade das crianças e adolescentes. Em cada bloco de textos colocamos propositadamente esses fatores em forma de título com letras maiúsculas.
Vamos a eles:
TRABALHO
1. Meu pai, esse ausente
Meu pai é um ausente, trabalha dia e noite. Quando ele chega em casa percebo seu esforço com a gente. Se tenho alguma dúvida em alguma coisa ele faz de tudo para me esclarecer, mesmo cansado. Mas na maioria das coisas que eu faço sinto sua ausência, um apertão por ele não poder comparecer ou, às vezes, me sinto culpada por isso. Mas sei que não é culpa minha nem dele, ele faz de tudo para comparecer e quer sempre o nosso bem.
Apesar do meu pai ser ausente, o amor e carinho que sinto quando penso nele, faz com que todas as vezes ele fique presente nas horas ausentes.
2. Meu pai, esse ausente.
Meu pai mora fora. Ele está lá por causa do seu emprego. Ele vai lá em casa de quinze em quinze dias. Quando chega em casa fica nervoso com as contas a pagar. Meu pai se preocupa mais com os danos materiais. Meu pai me confunde com o meu irmão. Ele se preocupa mais com meu irmão do que comigo.
A convivência do meu pai com a minha irmã não existe. Mas meu pai também tem algumas qualidades e gostaria que meu pai não fosse nervoso.
Ass: Anjo negro.
AGRESSÃO
1. Meu pai, um amigo?
Meu pai não é dos melhores, mas é meu pai e eu não posso fazer nada. Bom, o pai dos meus sonhos é um cara bem alto, bonito e super legal, que quem o conhecesse não iria se decepcionar. Se um dia minha mãe morrer eu acho que morreria junto, pois quem salva tudo o que acontece é ela. Os colegas que vão lá em casa morrem de medo do meu pai, já minha mãe eles queriam ter uma igual. Meu pai é daqueles que não compreendem nada e tudo o que a gente faz ele já vem batendo, nem quer saber o que aconteceu. O que importa e que ele me ama e que minha mãe é a melhor mãe do mundo.
2. Meu pai, um amigo?
Meu pai é um amigão, às vezes, fica ausente quer dizer, quando viaja, quando vai ao clube.
Meu pai é engraçado, mas quando fica de mau humor, sai de baixo - ele fica com uma cara de
morte.
Meu pai tem amor por duas coisas a família e o carro. Uma vez ele bateu o carro e eu, a minha
mãe e minha irmã estávamos dentro. A primeira coisa que ele fez foi ver o carro, depois
perguntou se estávamos bem. Isso não quer dizer desprezo, quer dizer que ele é meio
desligado.
Meu pai é um homem trabalhador, honesto e inteligente. Só tem uma coisa ele é pavio curto,
no sentido de não agüentar esperar.
Ele é muito especial para mim, pois é um bom pai. Eu agradeço a Deus por ter me dado um
pai tão bom, carinhoso e engraçado. Obrigado por ter me dado um pai amigo, quando muitos
não o tem.
AUSÊNCIA
1. Meu pai, um amigo?
O meu pai, ele é super amigo e carinhoso comigo. Ele é muito nervoso, mas tem um ótimo
senso de humor.
Meu pai não é muito presente em minha vida, porque ele trabalha fora e fica vários dias sem ir
em casa. Cada dia que ele chega é um alívio para a minha mãe e meus irmãos, que ficam
pensando o que poderia acontecer em sua viagem. Quando chega ele está exausto e logo
dorme.
Meu pai, eu o adoro do jeito que ele é e não gostaria que mudasse!
2. Nós concluímos que pai de verdade é:
Aquele que nos acorda com beijos e abraços, nos compreende, nos ajuda, busca nos entender
e ensina o que sabe. Este é o pai inexistente em nossas casas...
Mas não os culpamos por isto, pois com seu pouco tempo para a gente, consegue nos
conquistar com seus agrados.
3. Meu pai, um amigo?
Hoje, em nosso país, muitos filhos não se dão muito bem com os pais, pois brigam, discutem
e também os pais não ligam e nem pensam em conversar com os filhos. Mas também existem
pais que gostam de conversar, brincar, consolar nas horas de angústia, os filhos.
Meu pai é super legal e sempre quando está em casa nós conversamos, brincamos, enfim, vida
comum entre pai e filho. Ele procura ao máximo fazer-me sentir bem e tenho medo de
decepcioná-lo. Se isso acontecer eu acho que não terei cara de lhe pedir desculpas. Mas isso
nunca irá acontecer porque sempre o respeitarei e nunca deixarei de amá-lo.
Quando meu pai está ausente, rezo para chegar logo e que volte sempre com aquele rosto de
quem gosta, ama e que nunca deixará de amar seus filhos e sua esposa. Meu pai, um amigo.
TIMIDEZ
1. Meu pai, um amigo?
Adoro meu pai, me dá toda atenção, amor e carinho. Apesar das suas dificuldades, é um
grande amigo. É um pouco calado, sério, mas muito responsável.
Converso muito pouco com ele e o respeito bastante.
Gostaria que fosse mais alegre e que se abrisse mais com a família, acho que é mais uma
questão de tempo. Às vezes, acho que ele fica nervoso com qualquer coisinha, mas logo, logo,
se anima.
Sempre que precisamos dele, ele vem para resolver qualquer problema. A sua facilidade de
fazer amizades é incrível. Quando chega cansado do trabalho, respeitamos bastante e lhe
damos a maior atenção.
Gosto do meu pai, mesmo com seus problemas e suas dificuldades. E o amo bastante; prá
mim é o melhor pai do mundo!
ÁLCOOL
1. Meu pai, um amigo?
Um homem trabalhador, que sempre trabalhou para sustentar a família. Meu pai chama-se...
Gosta muito de mim, mas quando faço alguma coisa errada ele briga até! E quando ele perde
a paciência, sai de perto... Começa a bater até a hora em que eu me machuque.
Ele não gosta de nada desarrumado, por isso fala para não deixar nada desarrumado e quando
vê alguma coisa desarrumada, ele chama a pessoa que fez e manda ajeitar.
Meu pai quando bebe com os amigos dele, chega em casa e faz só bobagens, loucuras, briga
com a gente e fica com aquele jeito bêbado e pinguço. Pinguço é porque ele bebe muita pinga.
Fica bêbado também quando bebe uísque. Quando meu pai quer fazer alguma coisa, não tem
“Deus no Mundo” que segure. Se ele quer fazer ele faz mesmo.
Meu pai tem rosto barbudo e a cara de quem parece ser bravo. Uns defeitos que eu acho que
ele tem é quando ele fica bêbado e quando faz a gente comer coisas que a gente não gosta.
Meu pai deveria ser um pai mais humilde e bastante amigo da sua família, principalmente da
sua mulher e de seus herdeiros filhos.
2. Meu pai, um amigo?
Enquanto estou na escola ele está no trabalho e só chega de noite, mas procura saber de tudo
que acontece na minha vida. Eu o vejo na qualidade de ótimo pai, pois nunca bate para
consertar os erros, apenas utiliza o diálogo e acaba dando certo para mim e para ele.
Quando meu pai chega em casa, todos param de ver televisão e vão fazer o que estavam a
fazer, para dar uma força, pois ele não gosta muito da área que está trabalhando (área
comercial). Então contamos (eu e minha família) como foi o nosso dia e subimos (minha casa
é de dois andares), vamos todos conversar e ver TV com ele. No final ele fica feliz por nós.
Pai, que sempre corrige meus erros e me dá ordens, estes são seus pontos fracos:
- Teimosia
- Bebe e fica chato
- Se acha “demais”
Obs. Pode deixar, colega, lhe perdôo os seus pontos fracos.
Pai, te amo.
Quem prestou atenção para os textos apresentados, deve ter-se identificado com alguns
ou com vários, que podem representar algumas situações que ocorrem ou já ocorreram na sua
própria família. Não nos prolongaremos em comentários, mas vamos destacar mensagens
importantes que transbordam deles:
-Os pais não escapam à observação minuciosa dos filhos e funcionam como um
verdadeiro espelho onde, através dele, os filhos conseguem ver-se a si próprios e aos
pais.
- Desejam e reclamam a presença dos pais porque precisam dela como modelos para se
tornar adultos e sabem como melhorar esses modelos (quando reclamam dos defeitos)
propondo as mudanças.
- Julgam com precisão e perdoam com facilidade os defeitos observados.
Paternidade, Maternidade e Culpa
Pais e mães costumam sentir culpa em relação aos filhos. Mas nem sempre essa culpa
corresponde exatamente às suas dificuldades ou descuidos com eles. Seria pretensioso demais
imaginar que os filhos sofrem apenas a influência direta dos pais. E que os pais tem plena
consciência e responsabilidade pelo que fazem ou deixam de fazer por eles.
Dá para perceber, através dos textos escritos por crianças e adolescentes, que os pais
sofrem fortes pressões do meio social. O trabalho, as viagens, o “stress” produzido pelo tipo
de vida atual obrigam pais e mães a disputarem alucinadamente na maratona civilizada. Ás
vezes essa maratona visa apenas a sobrevivência, outras vezes é estimulada para alcançar
fortuna, prestígio ou poder. As miragens no deserto da civilização são múltiplas, são
proporcionais à ambição individual e continuam a atrair uma multidão de visionários.
Para os muito pobres, a sobrevivência determina cruelmente a sua ausência de casa e a
orfandade relativa dos filhos. Para os muito ricos e para os incansáveis maratonistas da classe
média, essa orfandade é camuflada pelo conforto material. Mas todos surtem os mesmos
efeitos no psiquismo das crianças e adolescentes abandonados nesse “mundo desenvolvido”.
Muitas vezes os pais não sabem explicar direito porque ficam nervosos, desatentos ou
punem os filhos desnecessariamente. Talvez ainda não tenham consciência exata das pressões
que sofrem e que lhes deixam descontrolados; talvez ainda ouçam fascinados o “canto da
sereia” civilizada que entoa canções que falam de riqueza, poder e glória. Às vezes, dizem:
“O que eu tenho ficará tudo para vocês”.
Vamos deixar as crianças e adolescentes falarem livremente quando dizem: “Eu
gostaria que meus pais não trabalhassem tanto. Não me interessa o que eles têm, me interessa
o que eles são; se tivermos mais atenção, carinho e diálogo, saberemos ganhar o nosso próprio
dinheiro na época certa”.
Eles estão certos: nenhuma babá, nenhuma escola, nenhum internato, nenhum
terapeuta é capaz de desempenhar, nem mesmo se aproximar das insubstituíveis funções dos
pais. Antigamente eram os internatos, hoje são as escolas, creches e instituições para crianças
e adolescentes que tentam suprir esses papéis. Nenhuma delas conseguiu até hoje, porque a
família não é uma instituição criada pelo homem. É uma instituição natural, sempre foi e
sempre será.
Muitos outros animais há milhares de anos, cumprem obrigatoriamente esse mesmo
ritual: geram, criam e protegem seus filhotes até que estejam preparados para voar, nadar ou
correr para a liberdade.
Quando nós, pais e mães, curados da embriaguez da opulência, da surdez dos apelos e
da mudez do diálogo, ficarmos menos cegos, surdos e mudos, conseguiremos baixar nosso
olhar e ver nossos filhos. Teremos certeza que eles, com a nossa presença provisória, saberão
como e para onde ir, sozinhos e acompanhados dos modelos que aprenderam.
Comportamento Reativo em Casa, na Escola e na Rua
Já vimos como se instala o comportamento reativo começando pelas sinalizações,
passando pelas pequenas alterações do comportamento e indo até as formas mais graves.
Com freqüência, algumas crianças e adolescentes, dão preferência a demonstrar suas
alterações de comportamento em casa, outros na escola e outros na rua. Alguns dentro de casa
são verdadeiros santos e quando se encontram fora do ambiente familiar se transformam
radicalmente a ponto de deixarem os pais com muita dúvida a respeito de suas façanhas.
Outros são considerados dentro de casa verdadeiros capetas e mudam totalmente quando estão
em contato com pessoas estranhas à família.
Esse mimetismo temporário de comportamento ou é aprendido dentro de casa ou é
criado pelo próprio indivíduo. A explicação para isso só vem à luz quando nos dispomos a
observá-lo durante algum tempo. Essas transformações mostram que alguma coisa já não está
funcionando bem. As sinalizações podem ser múltiplas e de várias intensidades. Para efeito
ilustrativo vamos dar alguns exemplos:
- Chorar com muita freqüência
- Brigas muito freqüentes entre irmãos
- Pequenas mentiras repetidas muitas vezes
- Gostar sempre de brincar sozinho
- Freqüente falta de apetite ou gula
- Medos excessivos: escuro, insetos, pessoas, etc.
- Tristeza e isolamento prolongados
- Destruição freqüente de objetos e agressões sem motivo aparente
- Pequeno furtos ou acúmulo egoísta de objetos
- Dificuldade de contatos com pais ou irmãos
É tão grande o número de sinalizações que não se tornaria prático prolongar a lista
deles.
É muito comum e pouco notada pelos pais uma sinalização representada pela
aplicação excessiva nos estudos. São os que, estimulados ou não pelos pais, vivem estudando
e querem sempre ser os primeiros da turma. Não brincam, não riem, não namoram e mais
parecem miniaturas de adultos. Os mais notados são os que matam as aulas, tiram notas
baixas e se tornam repetentes contumazes. Provocam muita ansiedade e irritação, mas acabam
ganhando mais atenção. Ambos apresentam alterações no seu desenvolvimento normal e
requerem cuidados.
Observamos que pequenas alterações introduzidas no ambiente familiar ou mudanças
no relacionamento dos pais com os filhos são capazes de provocar o desaparecimento desses
comportamentos. Outras vezes as reações adotadas pelos pais para mudar esses
comportamentos pode suprimi-los durante algum tempo para depois retorná-los com maior
intensidade e gravidade.
Punições ferozes ou chantagens bem arquitetadas são os erros mais comuns cometidos
por pais e educadores. Promessas de surras, cortes na mesada, ameaças de explosão e de
expulsão, supressão dos brinquedos e de viagens, são quase sempre barganhadas pela
mudança de comportamento. Nem sempre dão bons resultados porque não atingem o centro
gerador desses comportamentos e acabam estimulando a dissimulação, o disfarce e a
camuflagem. A situação interna (psíquica) continua intacta e pode reaparecer outras vezes.
Já vimos que são as mudanças internas do psiquismo que orientam o desenvolvimento
da personalidade e as que promovem o aparecimento e a qualidade dos comportamentos. Os
comportamentos são apenas os efeitos e os resultados visíveis dessas mudanças.
Quando falamos de pessoas corretas, íntegras, bondosas e compreensivas, estamos
falando da qualidade (caráter) do seu psiquismo, porque já conhecemos bem o seu
comportamento. O mesmo pode ocorrer com as pessoas desonestas, mesquinhas e avarentas
que, ao serem observadas no seu comportamento, refletem as características do seu
psiquismo.
Pode-se dizer, sem medo de errar, que psiquismo e comportamento andam sempre de
mãos dadas, são faces da mesma moeda ou são causa e efeito. Porém, um é visível e o outro
não.
A casa, a escola e a rua são extensão e continuidade da vida social e é nelas que o
comportamento atua. Alguns costumam avisar os filhos, quando uma visita vai chegar, para se
comportarem bem.
Precisamos causar boa impressão para os estranhos à família. O nosso comportamento
nesses casos deve seguir algumas regras para que a nossa imagem fique preservada e
respeitada. Em família, essas regras podem ser relaxadas, podemos mostrar o que somos uns
aos outros sem muito controle.
Podemos xingar, gritar, chorar, porque já convivemos e nos conhecemos melhor.
Nossos defeitos e fraquezas podem se manifestar mais à vontade. Enquanto dentro de casa
podemos peidar, arrotar e assoar o nariz com maior liberdade, diante dos outros precisamos
conter essas necessidades do corpo, pois elas representam para a nossa cultura, no mínimo,
falta de educação ou de respeito.
As visitas nem sempre são agradáveis porque representam o controle e a restrição da
nossa liberdade. Não sabemos mais nos comportar com espontaneidade. Transformamos
nossas palavras, sentimentos, pensamentos e gestos diante de estranhos e de visitas. Ás vezes
nossos filhos estranham o nosso comportamento delicado, sociável, bem humorado com as
visitas, porque conhecem o outro lado do nosso comportamento caseiro. Chamamos a isso de
“comportamento representado ou de comportamento social”.
Essas mudanças são percebidas por todos e significam um tributo pago à convivência
social. Somos como camaleões, mudamos de cor dependendo do local e da situação. Isso pode
ser aceito como normal, desde que não ultrapasse determinados limites e vire um hábito.
Comportamento Reativo e Namoro
Namoro é relação entre duas pessoas que começa com o comportamento representado.
É uma transição natural e obrigatória entre sair da família dos pais para caminhar na direção
da formação de nossa própria família, seja através do casamento convencional ou de qualquer
outra forma de convivência íntima.
Namorar não é uma decisão ou um ato consciente e sim um caminho psico-sócioafetivo
de todos os indivíduos para o cumprimento da evolução das sociedades. Na verdade
não escolhemos o candidato ou a candidata que queremos namorar, temos apenas a impressão
de que fazemos isso; somos tomados de surpresa quando encontramos aquela pessoa que, sem
que saibamos explicar, tornou-se mais importante do que as outras que também estavam do
nosso lado.
Sabemos intuitivamente que devemos abandonar a família dos pais enquanto os nossos
hormônios preparam o corpo para a reprodução. Sentimos cada vez mais forte a influência do
instinto sexual. O desejo de permanecer junto com a família (já bem conhecida) e o desejo
sexual (conhecer e conviver com o desconhecido), deixa a maioria dos adolescentes num
verdadeiro dilema. De um lado, o desejo sexual impulsionando para frente; de outro, o medo
de sair da família e assumir a liberdade e as obrigações sociais dos adultos.
Sabemos que as crianças estão concentradas no apego aos pais, em descobrir o mundo
ao redor de si e nas brincadeiras e correrias, enquanto o adolescente, cada vez mais
embriagado pelos hormônios e pelo corpo, paira nas fantasias do amor e do sexo. Os
adolescentes tentam desligar-se do mundo infantil recente, mas ainda não conseguem ter
consciência clara do mundo adulto. É uma fase de adaptação difícil onde o psiquismo sofre
uma verdadeira crise de mudanças.
O adolescente, através do comportamento representado, valoriza muito o seu corpo e a
sua imagem. Suas roupas e objetos facilitam a valorização da sua identidade e deve assumir
um comportamento cada vez mais parecido com o dos adultos sem, no entanto, copiá-lo.
O namoro exige um comportamento onde o parceiro veja no outro, não mais uma
criança. Essa convivência, que em alguns casos se completa no noivado, vai permitindo o
conhecimento mútuo. Além disso, é possível a cada parceiro conhecer melhor o interior da
família do outro; seria uma espécie de treinamento para saber com quem se está lidando e se
as diferenças entre um e outro, ou entre suas famílias, dá para mantê-los interessados. É o
caminho necessário e obrigatório para a vida adulta.
O adolescente deve ser apoiado e estimulado pela família para percorrer este caminho
da melhor forma possível para diminuir sua insegurança, sua timidez e a confusão que se
estabelece no psiquismo, tanto do jovem como da jovem, nessa fase da vida. É um verdadeiro
desastre para o futuro deles quando a família não lida bem com os anseios e comportamentos
desse período tão importante. O resultado aparece sempre nos casamentos apressados, na
gravidez precoce das jovens e nos graves conflitos que ocorrem nos primeiros anos do
casamento, onde as separações passam a ocorrer com maior freqüência.
Vários jovens se sentem verdadeiramente perseguidos pela família na fase do namoro
e por isso apressam o casamento para poder respirar livremente. Outros se escoram na fantasia
de que os pais, mesmo assustados com a gravidez, acabarão por aceitar o filho da filha e,
ambos juntos, permanecerão na família que lhes dará o sustento e o amor. Nesse caso teremos
um aborto social, ou seja, uma mulher ou um homem que não conseguiu fundar uma família e
cuidar dela.
Titios e titias, casamentos apressados, separações precoces, mães solteiras, todos
podem estar representando um abortamento das funções sociais para as quais os jovens devem
ser preparados.
Comportamento Reativo e Sexo
A primeira grande característica do sexo é ser individual. Cada indivíduo tem seu
sexo. A segunda, é ser diferenciado. Só há dois sexos: masculino e feminino.
A genética resumiu a apenas duas modalidades a probabilidade humana de ser sexual.
Curiosamente o homem e a mulher possuem cromossomos (elementos genéticos) de ambos os
sexos. Por que então que a natureza só permite o aparecimento de apenas uma característica
sexual em cada indivíduo? Por que foi negado ao ser humano e permitido à minhoca e ao
“escargot” serem hermafroditas? Por que pênis e vagina são molde e forma invertidos, um do
outro e se encaixam com perfeição? Temos que admitir que é muito difícil responder
satisfatoriamente essas perguntas. Nem mesmo é necessário respondê-las; seria o mesmo que
perguntar por que uma bola é redonda ou porque os peixes nadam e os pássaros voam.
Se fizermos uma pesquisa de opinião entre todos os homens e mulheres do planeta,
sobre quem gosta e quem não gosta de sexo, teremos sempre dois grupos diferentes: os que
gostam e assumem e os que gostam e negam.
Quais as razões que sustentam as palavras das pessoas que fazem propaganda antisexo.
Serão as mesmas pessoas que fizeram a mãe de Jesus ter um filho sem parto e ainda
continuar virgem? Ou serão aqueles que roubam o pão dos pobres e ainda pregam o controle
da natalidade? Ou as que negam emprego ou demitem as mulheres grávidas?
Vemos também que o dimorfismo sexual (diferença na forma) entre os dois sexos se
completa pelas diferenças anatômicas, hormonais e psicológicas. Parece que a natureza
propositadamente projetou duas criaturas inacabadas, isto é, feitas só pela metade; duas
bandas que isoladamente não tem sentido qualquer, mas, quando reunidas, se completam e se
integram ganhando sentido e função. Por essa razão é provável que homem e mulher foram
feitos um para o outro e, ambos, para o destino social. Que só se realizam plenamente como
indivíduos quando reunidos, propiciando o surgimento de novas vidas.
Somos levados a concluir que homem, mulher e filhos (a família) não são o resultado
de uma escolha, de uma mera opção individual. Talvez sejam atores de uma peça social que
não foi criada e nem pode ser dirigida por eles e, na qual, precisam atuar sempre sem terem
consciência exata do seu início e do seu final, encenando num palco sobre o qual muitos já
pisaram e outros muitos ainda pisarão. O sexo e a família não podem ser alterados na sua
substância porque, não são obra da engenharia humana.
O sexo é a isca mais atraente e mais gostosa que fisga homens e mulheres para,
igualmente, colocá-los no cesto familiar e despachá-los para o mercado social. Ninguém fisga
ninguém, ambos são fisgados e gostam de ser. Homens e mulheres são protagonistas na
atividade sexual, mas não são seus criadores. São, porém, os inventores da idéia que associa o
sexo ao pecado e à culpa.
Quem inventou a idéia de pecado? Algum esperto que pensou em tirar algum proveito
disso ou um fanático que resolveu se tornar inimigo do prazer, da família e da sociedade?
Por mais que nos esforcemos não conseguimos entender essa idéia. É uma idéia gerada
pela moralidade sexual da nossa sociedade ocidental, preconceituosa e cheia de contradições
ridículas. Homens e mulheres moralistas têm um comportamento hipócrita em relação a esse
assunto. Tornam-no misterioso e proibido para os filhos (repressão), mas quando reunidos
com amigos explodem em gargalhadas e se divertem ouvindo e contando anedotas eróticas.
Estão com a cabeça cheia de fantasias sexuais reprimidas, mas as suas bocas apregoam o
pecado e a castidade.
As “tentações da carne”, o “fogo do inferno” e o “juízo final” são frases feitas e
arquitetadas por uma civilização doente e carente de sexo. Organizações religiosas e grupos
de moralistas fazem a publicidade do sexo pela via do pecado e da culpa, mesmo sabendo
que o sexo é uma função natural e necessária. Cultuam “o espírito e condenam a carne”,
mantendo vivo o proselitismo do Bem e do Mal. Parece que têm o interesse em transferir o
“sexo sujo” para a cabeça das pessoas e manter os órgãos genitais como meros aparelhos de
urinar.
Manter a idéia de “sexo sujo” (pecado) deve ser importante para os que querem
preservar a subsistência desses grupos e dessas instituições. Homens e mulheres, escravos
dessa idéia, terão sempre uma vida sexual pobre e marginalizada e se manterão fervorosos
adeptos e leais colaboradores, dispostos a sustentar a bandeira da castração religiosa e o
brasão da falsa moralidade.
Nas doenças mentais e nas neuroses graves de crianças, adolescentes e adultos sempre
vemos esse brasão e essa bandeira tremulando no alto dessas cabeças doentes, como se
fossem as marcas subversivas à Ordem Natural.
Certa vez um fariseu sonhou com Deus e ele lhe disse: “Aqueles que subverterem a
Ordem Natural por Mim estabelecida, cairão em desgraça e serão amaldiçoados. Sofrerão de
impotência e frigidez, ficarão idiotas e serão conduzidos ao inferno da inveja do ódio e da
solidão.”
O famoso antropólogo Bronislau Malinowski, autor do livro “A Vida Sexual dos
Selvagens”, conta que os trobriandeses (povo primitivo do arquipélago melanésio) não
conheciam o homossexualismo até o dia em que os missionários europeus, escandalizados,
segregaram moças e rapazes em grupos separados. Entre eles não havia o estupro, nem crimes
sexuais. Eram raríssimas as separações entre os casados. Possuíam uma instituição especial (a
casa dos solteiros) onde moças e rapazes se namoravam e atuavam sexualmente para se
conhecerem melhor e poderem fazer uma boa escolha para o casamento. Não havia o
problema da gravidez precoce e as crianças, desde pequenas, não sofriam repressão sexual e
cresciam para se tornarem jovens livres e adultos saudáveis.
Entre os índios não aculturados da Amazônia presenciamos situações semelhantes.
Andam nus, mostrando naturalmente o corpo, e nos seus vocabulários não existe a palavra
“pecado”. Possuem rituais que cultuam com seriedade, e seguem com precisão os eventos
importantes como: o nascimento, a puberdade, a idade adulta, o casamento e a morte. Não
possuem um deus único e “Todo-Poderoso”. Estão sempre cercados de múltiplas entidades
espirituais que, como eles, têm defeitos e virtudes, bons e maus humores, brincam, fazem
desordens e copulam como os seres humanos.
Dizem alguns historiadores que a primeira invasão do Brasil pelos europeus foi feita
pelos portugueses no dia 22 de abril do ano de 1500. Quando eles aqui chegaram, ficaram
muito admirados com os costumes indígenas. Há informações de que outros europeus já
haviam antes visitados o litoral brasileiro antes de Cabral. Vamos reproduzir, a titulo de
ilustração, dois pequenos trechos de uma carta de Américo Vespúcio (La Lettera) que se
refere às novidades da nova terra e de seus habitantes:
“... que foi, que o rei Don Fernando de Castela tendo que mandar quatro
naves a descobrir novas terras para o ocidente, fui eleito por Sua Alteza que
eu fosse nessa frota para ajudar a descobrir. E partimos do porto de Cadiz no
dia 10 de Maio de 1497 e pegamos nosso caminho pelo grande golfo do mar
oceano, na qual viagem estivemos 18 meses e descobrimos muita terra firme
e infinitas ilhas, e grande parte delas habitadas, que os antigos escritores
delas não falam, creio porque delas não tiveram notícia; que se bem me
recordo, em algum li, que tinha que neste mar oceano, era mar sem gente.
...as suas riquezas são penas de pássaros de várias cores, ou rosário que
fazem de ossos de peixe, ou em pedras brancas, ou verdes, às quais se
metem pelas bochechas ou pelos lábios e orelhas; e de outras muitas coisas
que nós em coisa alguma as estimamos; não usam comércio, nem compram,
nem vendem. Em conclusão vivem e se contentam com aquilo que lhes dá a
natureza. As riquezas que nesta nossa Europa e noutras partes usamos, como
ouro, jóias, pérolas e outras divisas, não as têm em coisa alguma; e ainda
que nas suas terras as possuam, não trabalham para as ter, nem as estimam.
São liberais no dar, que por maravilha negam alguma coisa, e em
compensação liberais no pedir...”
Os navegadores europeus desconheciam naquela época a existência de milhões de
brasileiros que viviam felizes dentro de suas culturas. Ossadas humanas datadas de
aproximadamente onze mil anos e encontradas em Lagoa Santa (MG) e no Piauí, provam a
existência desses habitantes que ocupavam esse território sete mil anos antes do nascimento
de Cristo. Do ano de 1500 pare cá seus territórios continuam sendo invadidos e seus
verdadeiros donos massacrados para a exploração das riquezas da terra, como acontecia há
500 anos atrás. Pouca coisa mudou de lá para cá.
Os índios deveriam ser chamados de brasileiros e nós de nacionais, porque fundamos
uma nação em cima de outras que já existiam e que eram as originais donas da terra. Quando
eles se extinguirem perderemos a oportunidade de aprender outras formas de conviver
livremente sem dinheiro, sem pecados e sem políticos.
Voltemos à vida civilizada e ao modo como a sexualidade é tratada entre nós. São
muitos os pais e educadores que, ao invés de abrirem o jogo, ainda proíbem as brincadeiras
sexuais das crianças. Ensinam que colocar as mãos nos órgãos genitais não pode; que se
masturbar enfraquece o corpo, diminui a inteligência ou faz nascer cabelos nas palmas das
mãos. Sabemos atualmente que a masturbação, no período infantil e na adolescência, é
necessária ao desenvolvimento normal da sexualidade. Uma oportunidade de satisfazer o
instinto quando não é possível o ato real com um parceiro.
Pobres pais que sentem vergonha de contar para os filhos as suas experiências sexuais
da infância e da adolescência. Introduzir a educação sexual nas escolas? Que grande besteira!
Como pode dar certo, se muitos pais e educadores ainda sentem vergonha das suas idéias
atrasadas e preconceituosas a respeito de sexo? Crianças e jovens já têm conhecimento
intuitivo sobre sexualidade antes mesmo de nascerem. Quem ensinou os patos a nadar? Quem
ensinou as aves e as borboletas a voar? A escola?
Só precisamos não atrapalhar, não mentir, e falar livremente e sem constrangimentos
que o sexo, a vontade de comer, a vontade de urinar, defecar e dormir são coisas boas e
necessárias à vida de todos. Quanta complicação arranjamos para coisas tão simples!
Comportamento Reativo e Homossexualismo
Sempre houve muita polêmica em torno do fenômeno homossexual. Enquanto uns
falam de doença, outros falam em sem-vergonhice. Os homossexuais e muitos intelectuais
defendem a tese de “opção”, de escolha consciente. Inventou-se as expressões “variação
sexual” e “preferência sexual”. Essas expressões englobariam as tendências e experiências de
heterossexuais, bissexuais, transexuais, travestis, transformistas, “drag queens”, homossexuais
enrustidos e assumidos.
As muitas denominações propostas para estabelecer diferenças entre o heterossexual
convicto e as outras tendências incluem diferentes conotações embutidas nos termos: viado,
bicha, boneca, entendido, maricas, almofadinhas, fresco, gay, jeitoso, vinte e quatro, rapaz
alegre, delicado, filhinho da mamãe, pederasta, florzinha, mandrake, etc.
O tom jocoso e irônico é quase sempre agressivo, insulta e provoca a discriminação, o
desprezo e a aversão por esse tipo de posição sexual. A sociedade os trata como marginais e
ao mesmo tempo propala os seus direitos, sobretudo quando geram produção e circunstâncias
lucrativas. Há mesmo quem use a expressão “terceiro sexo” para instituir a homossexualidade
como função biopsicossocial, natural e legal.
O homossexualismo feminino, menos divulgado, curiosamente possui poucas
denominações através de termos como: lésbica, sapatão e machona. É menos comentado, mais
dissimulado e aceito socialmente. Quase sempre não é exibicionista, portanto se torna menos
visível. É interessante notar que no homossexualismo masculino o indivíduo ativo é
compreendido e o passivo criticado e humilhado. No feminino a situação é invertida;
enquanto o indivíduo ativo é discriminado e ridicularizado, o passivo quase não aparece e é
mais perdoado.
Nossa cultura machista é desconcertante e contraditória quando escolhe o homem
como figura mais importante da sociedade, ou seja, o homem que se comporta como mulher,
deve ser perseguido; mas a mulher que quer ser homem, embora discriminada - por querer
ocupar o lugar do homem - passa a ser menos perseguida por desejar alcançar a suposta
posição do “ser superior” - o homem.
Já tratamos anteriormente da necessidade de identificar-se inerente à natureza humana.
O homem precisa ser identificado nos seus atributos biológicos, psicológicos e sociológicos,
assim como a mulher também precisa. Esse patrulhamento severo e neurótico da sociedade
civilizada fixa e determina essa identidade pela prática sexual do indivíduo, genitalizando essa
identificação. O homossexual ativo continua sendo “homem” e o passivo perde essa condição.
A homossexual ativa perde sua identidade feminina, e a passiva a mantém preservada. Por
que?
Entre os povos primitivos esse fenômeno aparece raramente no comportamento das
pessoas, embora suas cargas genéticas possuam os mesmos cromossomos sexuais masculinos
e femininos que existem nas células dos civilizados. Por que, então, entre eles, o “problema”
da homossexualidade é difícil de ser encontrado? Como eles conseguem realizar esse
milagre?
Antes vamos ver como isso acontece com os animais irracionais. Muitos já
presenciaram animais do mesmo sexo tentando montar, isto é, praticar o ato sexual uns com
os outros. Normalmente eles não conseguem por não ser essa a meta e freqüência da função
preestabelecida pelos instintos naturais. E se conseguem, nada resulta a não ser o prazer
efêmero do ato, que na maioria das vezes não é aceito pelo parceiro. Os cães e as cadelas se
mordem em verdadeiras batalhas quando percebem que o parceiro é do mesmo sexo. Não
foram programados pela natureza para subverter aos instintos, porém, se o número de fêmeas
ou de machos se torna escasso, a freqüência desse comportamento homossexual tende a
aumentar. Se estiverem convivendo em situações antinaturais (prisão, fome, espancamentos,
isolamento prolongado) a persistência desse comportamento pode alterar ou perverter o
condicionamento instintivo.
Gatos que convivem com cães sem brigarem, ratos brancos que não sentem medo de
gatos ou cachorros, tigres e onças que convivem pacificamente com seus donos são situações
muito conhecidas e que mostram com clareza as profundas modificações que podem ocorrer
no comportamento instintivo dos animais.
O comportamento sexual no homem não é diferente, do ponto de vista de sua base
instintiva, do dos outros animais. Pode, da mesma forma, alterar-se e seguir outras tendências,
se estiver submetido a pressões antinaturais.
A sabedoria da engenharia natural deixou sempre uma margem de segurança para
redirecionar e preservar a espécie. Indivíduos masculinos e femininos possuem uma condição
genética, psicológica e sociológica mista, isto é, preparada para reorganizar as espécies em
casos de profundas alterações do equilíbrio ambiental.
Se determinado indivíduo masculino está tendente sempre a desempenhar seu papel
masculino isso não significa que ele, de vez em quando, não possa fazer ensaios ou
treinamentos de papéis femininos, mesmo inconscientemente ou em sonhos. Voltará ao papel
preferido quando perceber que esses ensaios não lhe agradam, que não combinam com o seu
desejo ou com sua posição social no grupo ao qual pertence.
Se não estiver submetido ou não tiver passado por situações antinaturais, escolherá
voltar sempre para o papel original. Isso fica demonstrado em situações nas quais muitos
homens se sentem compelidos a imitar mulheres em peças de teatro ou no Carnaval. Os que
assistem reagem freqüentemente da seguinte maneira:
=> Riem, achando muito engraçado
=> Dissimulam indiferença
=> Reagem com irritação criticando a cena
=> Se mostram interessados e imitam o ator
Todas essas reações demonstram o quanto de atenção prestamos e nos interessamos
pelas manifestações da homossexualidade. Homens e mulheres civilizados trazem sempre
para o tema da conversa esse tipo de manifestação do comportamento. Riem, fofocam, fingem
que se assustam, criticam ou reagem favoravelmente ou contra esses comportamentos.
Não devemos considerar o comportamento reativo homossexual como doença ou semvergonhice,
como bom ou mau comportamento, como direito ou falta de direito, como
conquista ou retrocesso. É sensato compreendê-lo como sintoma social. Como forma reativa
individual frente a pressões antinaturais geradas pelo próprio processo civilizatório, que se
projeta contra os indivíduos de ambos os sexos. Na verdade parece ser um mecanismo de
segurança usado pela natureza para a preservação da espécie, já que é através do mecanismo
de reprodução que ela se utiliza para alcançar esse fim.
É possível que as manifestações homossexuais humanas possam se originar do
ambiente antinatural (ausência de modelo cultural equilibrado) da civilização ocidental, que
também produz com excessiva freqüência outros fenômenos como: suicídio, prostituição,
mendicância, fome e o uso excessivo de drogas.
Não somos homens ou mulheres. Estamos homens ou mulheres enquanto função
masculina ou feminina à disposição do caminho da evolução da espécie. Na verdade somos,
ou estamos sendo, sempre uma metade ou outra, dependendo de como nos sentimos e a que
pressões estamos sendo submetidos dentro do ambiente confuso e desintegrador da sociedade
branca. O nosso comportamento reativo está sempre mexendo com as nossas metades. A
sabedoria da natureza está muitos milhões de anos-luz à frente daquilo que costumamos
chamar de “sabedoria humana”. É preciso que nos resignemos sempre à nossa condição de
criaturas e não de criadores. Erramos muito e acertamos pouco, mas, ainda assim, queremos
viver e conviver.
A alavanca criadora da natureza sempre esteve preocupada com a preservação das
espécies. A minhoca, por exemplo, um ser de poucos recursos, que é obrigada a viver
embaixo da terra, foi presenteada com dois sexos, ou seja, é hermafrodita. Uma minhoca num
prolongado ato sexual com outra minhoca é capaz de engravidar e ficar grávida ao mesmo
tempo. Ambas passam a ser, simultaneamente, pai e mãe; seus filhotes terão, portanto, dois
pais e duas mães. Além disso, se for cortada uma parte do seu corpo, o pedaço que sobrou
pode regenerar-se e reproduzir o que faltou.
Nossa metade branca nos diz que, se esse presente da natureza tivesse cabido a nós, a
anarquia seria total. E, mesmo assim, ainda nos consideraríamos seres inteligentes e
lutaríamos pelo controle da natalidade.
Os criadores de peixes ornamentais em aquários e tanques, já viram lindos machos de
peixes, com o tempo, se transformarem em fêmeas que acabaram por parir muitos filhotes.
Outras vezes, fêmeas prolíficas, começam a mudar de cor e suas nadadeiras se alongam como
a dos machos e elas começam a perseguir outras fêmeas. Galinhas cantando como galos e
montando nas suas companheiras de sexo e tantos outros exemplos entre animais nos faz
lembrar que pertencemos, sim, à escala zoológica.
O hermafroditismo e a metamorfose sexual, entre outros, são fenômenos do reino
animal que demonstram com perfeição como a natureza se preveniu para manter e preservar
as espécies. Nossa ignorância, muitas vezes, não está preparada para entender esses recursos.
Para ilustrarmos como os índios se organizam dentro de seus modelos culturais e
simbolizam os conceitos de masculino e feminino, passaremos a transcrever um trecho do
livro “A Sociedade contra o Estado” do etnólogo Pierre Clastres. Trata do Arco (símbolo
masculino) e do Cesto (símbolo feminino) determinando uma organização e um equilíbrio na
cultura dos índios Guaiaquí. Começa assim:
“Uma oposição muito clara organiza e domina a vida quotidiana dos guaiaquí:
aquela dos homens e das mulheres cujas atividades respectivas, marcadas
fortemente pela divisão sexual das tarefas, constituem dois campos nitidamente
separados e, como aliás em todos os lugares, complementares. Mas,
diferentemente da maioria das outras sociedades indígenas, os guaiaquí, não
conhecem forma de trabalho em que participem ao mesmo tempo os homens e as
mulheres. A agricultura, por exemplo, alterna tanto atividades masculinas como
femininas, já que, se em geral as mulheres se dedicam a semear, a limpar os
campos de cultivo e a colher os legumes e cereais, são os homens que se
encarregam de preparar o lugar das plantações derrubando as árvores e
queimando a vegetação seca. Mas, se os papéis são bem distintos e nunca se
misturam nem por isso deixam de assegurar em comum o início e o sucesso de
uma operação tão importante como a agricultura. Ora, nada disso ocorre com os
guaiaquí.
Nômades que tudo ignoram da arte de plantar, sua economia apoia-se
exclusivamente na exploração dos recursos naturais que a floresta oferece. Estes
se distribuem sob duas rubricas principais: produtos da caça e produtos da
coleta, esta última compreendendo sobretudo o mel, as larvas e o cerne da
palmeira Pindo.
Poderíamos pensar que a procura dessas duas classes de alimento se conformaria
ao modelo muito difundido na América, do Sul segundo o qual os homens
caçam, o que é natural, deixando para as mulheres o cuidado de coletar. Na
realidade, as coisas se passam de maneira muito diferente, uma vez que, entre os
guaiaquí, os homens caçam e também coletam. Não que, mais atentos que outros
ao lazer de suas esposas, quisessem dispensá-las das tarefas que normalmente
lhes caberiam; mas, de fato, os produtos da coleta são obtidos à custa de
operações penosas que as mulheres dificilmente realizariam: localização das
colméias, extração do mel, derrubada das árvores, etc. Trata-se então de um tipo
de coleta que concerne bem mais as atividades masculinas. Ou, em outros
termos, a coleta conhecida em outros lugares na América e que consiste na
obtenção de bagas, frutas, raízes, insetos etc. É quase inexistente entre os
guaiaquí, pois, na floresta por eles ocupada não são abundantes os recursos desse
gênero. Então, se as mulheres praticamente não coletam, é porque nela quase
nada existe para ser coletado.
Conseqüentemente, como as possibilidades econômicas dos guaiaquí estão
culturalmente reduzidas pela ausência da agricultura e naturalmente reduzidas
pela relativa raridade dos alimentos vegetais, a tarefa cada dia recomeçada de
procurar alimentação para o grupo incumbe essencialmente aos homens. Isso
não significa que as mulheres não participam na vida material da comunidade.
Além de lhes caber a função, decisiva para os nômades, do transporte dos bens
familiares, as esposas dos caçadores fabricam cestos, potes, cordas para os arcos;
elas cozinham, cuidam das crianças etc. Longe, então, de serem ociosas, elas
dedicam inteiramente o tempo de que dispõem à execução de todos esses
trabalhos necessários. Mas não deixa de ser verdade que no plano fundamental
da “produção” de alimentos, o papel de fato menor desempenhado pelas
mulheres deixa aos homens o absorvente e prestigioso monopólio. Ou, mais
precisamente, a diferença entre homens e mulheres ao nível da vida econômica
surge como a oposição de um grupo de produtores e de um grupo de
consumidores.
O pensamento guaiaquí, como veremos, exprime claramente a natureza dessa
oposição que, por estar situada na própria raiz da vida social da tribo, comanda a
economia de sua existência quotidiana e confere sentido a todo um conjunto de
atitudes na qual se liga a trama das relações sociais.
O espaço dos caçadores nômades não se pode repartir segundo as mesmas linhas
que o dos agricultores sedentários. Dividido por estes em espaço da cultura,
constituído pela aldeia e pelos campos de cultivo, e em espaço da natureza
ocupado pela floresta circundante, ele se estrutura em círculos concêntricos. Para
os guaiaquí, ao contrário, o espaço é constantemente reduzido à pura extensão
onde é abolida, ao que parece, a diferença da natureza e da cultura. Mas, na
realidade, a oposição já salientada no plano da vida material fornece igualmente
o princípio de uma dicotomia do espaço que, por ser mais disfarçada do que em
sociedades de outro nível cultural, nem por isso e menos pertinente.
Existe entre os guaiaquí um espaço masculino e um espaço feminino,
respectivamente definidos pela floresta onde os homens caçam e pelo
acampamento onde reinam as mulheres.
Sem dúvida as paradas são muito provisórias: elas raramente duram mais de três
dias. Mas é o lugar de repouso onde se consome a alimentação preparada pelas
mulheres, ao passo que a floresta é o lugar do movimento especialmente
destinado as incursões dos homens em busca da caça. Não poderíamos,
evidentemente, tirar desse fato a conclusão de que as mulheres são menos
nômades que seus esposos. Mas, por causa do tipo de economia em que está
apoiada a existência da tribo, os verdadeiros senhores da floresta são os
caçadores: eles efetivamente à cercam, pois são obrigados a explorá-la com
minúcia para explorar sistematicamente todos os seus recursos. Espaço do
perigo, do risco, da aventura sempre renovada para os homens, para as mulheres,
a floresta é, ao contrário, espaço percorrido entre duas etapas, travessia
monótona e fatigante, simples extensão neutra.
No pólo oposto o acampamento oferece ao caçador a tranqüilidade do repouso e
a ocasião de fazer trabalhos rotineiros, enquanto é para as mulheres o lugar onde
se realizam suas atividades específicas e se desenrola uma vida familiar que elas
controlam amplamente. A floresta e o acampamento encontram-se, assim,
dotados de signos contrários conforme se trate de homens ou de mulheres. O
espaço, poder-se-ia dizer, da “banalidade quotidiana” é a floresta para as
mulheres, o acampamento para os homens: pare estes a existência só se torna
autêntica quando a realizam como caçadores, quer dizer, na floresta, e para as
mulheres quando, deixando de ser meios de transporte, elas podem viver no
acampamento como esposas e como mães. Podemos então medir o valor e o
alcance da oposição socioeconômica entre homens e mulheres porque ela
estrutura o tempo e o espaço dos guaiaquí.
Ora, eles não deixam no impensado o vivido dessa práxis: têm uma consciência
clara e o desequilíbrio das relações econômicas entre os caçadores e suas
esposas se exprime no pensamento dos índios como a “oposição entre o arco e o
cesto”.
Cada um desses dois instrumentos é, com efeito, o meio, o signo e o resumo de
dois “estilos” de existência tanto apostos como cuidadosamente separados.
Quase não e necessário sublinhar que o arco, arma única dos caçadores, é um
instrumento exclusivamente masculino e que o cesto, coisa das mulheres, só é
utilizado por elas: os homens caçam, as mulheres carregam.
A pedagogia dos guaiaquí se estabelece principalmente nessa grande divisão de
papéis. Logo aos quatro ou cinco anos, o menino recebe do pai um pequeno arco
adaptado ao seu tamanho; a partir de então ele começara a se exercitar na arte de
lançar com perfeição uma flecha.
Alguns anos mais tarde, oferecem-lhe um arco muito maior, flechas já eficazes,
e os pássaros que ele traz para sua mãe são a prova de que ele é um rapaz sério e
a promessa de que será um bom caçador. Passam-se ainda alguns anos e vem a
época da iniciação; o lábio inferior do jovem de cerca de 15 anos é perfurado;
ele tem o direito de usar o ornamento labial, o “beta”, e é então considerado um
verdadeiro caçador, um “Kybuchuété” (caçador). Isso significa que um pouco
mais tarde ele poderá ter uma mulher e deverá conseqüentemente prover as
necessidades do novo lar.
Por isso, o seu primeiro cuidado, logo que se integra na comunidade dos homens
é fabricar para si um arco; de agora em diante membro “produtor” do bando, ele
caçará com uma arma feita por suas próprias mãos e apenas a morte ou a velhice
o separarão de seu arco.
Complementar e paralelo é o destino da mulher. Menina de 9 ou 10 anos, recebe
de sua mãe uma miniatura de cesto, cuja confecção ela acompanha atentamente.
Ela nada transporta, sem dúvida; mas, o gesto gratuito de sua marcha - cabeça
baixa e pescoço estendido nessa antecipação do seu esforço futuro - a prepara
para seu futuro próximo. Pois o aparecimento, por volta dos 12 ou 13 anos, da
primeira menstruação e o ritual que sanciona a chegada da sua feminilidade
fazem da jovem virgem uma “daré”, uma mulher que será logo esposa de um
caçador. Primeira tarefa do seu novo estado e marca da sua condição definitiva,
ela fabrica então o seu próprio cesto. E cada um dos dois, o jovem e a jovem,
tanto senhores como prisioneiros, um do seu cesto, o outro do seu arco,
ascendem dessa forma à idade adulta. Enfim, quando morre um caçador, seu
arco e suas flechas são ritualmente queimados, como o é também o último cesto
de uma mulher: pois, como símbolos das pessoas, não poderiam sobreviver a ela.
Os guaiaquí apreendem essa grande oposição, segundo a qual funciona sua
sociedade, por meio de um sistema de proibições recíprocas: uma proíbe as
mulheres de tocarem o arco dos caçadores; outra impede os homens de
manipularem o cesto. De um modo geral, os utensílios e instrumentos são
sexualmente neutros, se se pode dizer: o homem e a mulher podem utilizá-los
indiferentemente; só o arco e o cesto escapam a essa neutralidade.
Esse tabu sobre o contato físico com as insígnias mais evidentes do sexo oposto
permite evitar assim toda transgressão da ordem sócio-sexual que regulamenta a
vida do grupo. Ele é escrupulosamente respeitado e nunca se assiste à estranha
conjunção de uma mulher e um arco nem aquela, mais que ridícula, de um
caçador e um cesto. Os sentimentos que cada da sexo experimenta com relação
ao objeto privilegiado do outro são muito diferentes: um caçador não suportaria
a vergonha de transportar um cesto, ao passo que sua esposa temeria tocar seu
arco. É que o contato da mulher e do arco é muito mais grave que o do homem e
do cesto. Se uma mulher pensasse em pegar um arco, ela atrairia, certamente,
sobre seu proprietário o “pané”, quer dizer, o azar na caça, o que seria desastroso
para a economia dos guaiaquí.
Quanto ao caçador, o que ele vê e recusa no cesto é precisamente a possível
ameaça do que ele teme acima de tudo, o “pané”. Pois, quando um homem é
vítima dessa verdadeira maldição, sendo incapaz de preencher sua função de
caçador, perde por isso mesmo a sua própria natureza e a sua substância lhe
escapa: obrigado a abandonar um arco doravante inútil, não lhe resta senão
renunciar a sua masculinidade e, trágico e resignado, encarrega-se de um cesto.
A dura lei dos guaiaquí não lhe deixa alternativa. Os homens só existem como
caçadores, e eles mantêm a certeza da sua maneira de ser preservado o seu arco
do contato da mulher. Inversamente, se um indivíduo não consegue mais
realizar-se como caçador, ele deixa ao mesmo tempo de ser homem: passando do
arco para o cesto, metaforicamente ele “se torna uma mulher”. Com efeito, a
conjunção do homem e do arco não se pode romper sem transformar-se na sua
inversa e complementar: aquela da mulher e do cesto.
Ora, a lógica desse sistema fechado, constituído de quatro termos grupados em
dois pares opostos, ficou provada: havia entre os guaiaquí dois homens que
carregavam cestos: Um, Chachubutawachugi, era “panema”. Não possuía arco e
a única caça à qual podia entregar-se de vez em quando era captura à mão de
tatus e quatis: tipo de caça que, embora correntemente praticada por todos os
guaiaquí, está bem longe de apresentar a seus olhos a mesma dignidade que a
caça com o arco, o “jyvondy”. Por outro lado Chachubutawachugi era viúvo; e,
como era “panema”, nenhuma mulher queria saber dele, mesmo que a titulo de
marido secundário. Ele tampouco procurava integrar-se à família de um de seus
parentes: estes teriam julgado indesejável a presença permanente de um homem
que agravasse sua incompetência técnica com um excelente apetite. Sem esposa
porque sem arco, só lhe restava aceitar, sua triste sorte. Nunca acompanhava os
outros homens em suas expedições de caça, mas partia, só ou em companhia das
mulheres, em busca de larvas, mel ou dos frutos que ele havia antes localizado.
E, para poder transportar o produto de sua coleta, munia-se de um cesto que uma
mulher lhe havia dado de presente. Como o azar na caça lhe destruía o acesso as
mulheres, ele perdia, ao menos parcialmente, sua qualidade de homem e se
achava assim rejeitado no campo simbólico do cesto.
O segundo caso é um pouco diferente; Krembégi era na verdade um sodomita.
Ele vivia como as mulheres e, a semelhança delas, mantinha em geral os cabelos
nitidamente mais longos que os outros homens, e só executava trabalhos
femininos: ele sabia tecer e fabricava, com os dentes de animais que os
caçadores lhe ofereciam, colares que demonstravam um gosto e disposições
artísticas muito melhor expressas do que nas obras das mulheres. Enfim, ele era
evidentemente proprietário de um cesto. Em suma Krembégi atestava assim no
seio da cultura guaiaquí a existência inesperada de um refinamento
habitualmente reservado a sociedades menos rústicas.
Esse pederasta incompreensível vivia como uma mulher e havia adotado as
atitudes e comportamentos próprios desse sexo; ele recusava, por exemplo, tão
seguramente o contato de um arco como o caçador o do cesto. Ele considerava
que seu lugar natural era o mundo das mulheres; Krembégi era homossexual
porque era “panema”. Talvez também seu azar na caça proviesse de ser ele,
anteriormente, um invertido inconsciente. Em todo caso, as confidências de seus
companheiros revelavam que sua homossexualidade se tornara oficial, quer
dizer, socialmente reconhecida, quando ficara evidente a sua incapacidade de se
servir de um arco: para os próprios guaiaquí ele era um “Kyrypy-meno” (ânus -
fazer amor) porque era “panema”.
Os “aché” mantinham aliás uma atitude muito diferente com relação a cada um
dos dois carregadores de cesto que acabamos de evocar. O primeiro,
Chachubutawachugi, era objeto de caçoada geral, se bem que desprovida de
verdadeira maldade: os homens o desprezavam bastante nitidamente, as
mulheres dele riam à socapa, e as crianças tinham por ele um respeito muito
menor do que pelos outros adultos. Krembégi ao contrário não despertava
nenhuma atenção especial; consideravam-se evidentes e adquiridas a sua
incapacidade como caçador e a sua homossexualidade. De tempos em tempos,
certos caçadores faziam dele seu parceiro sexual, manifestando nesses jogos
eróticos mais libertinagem - ao que parece - do que perversão. Mas não ocorreu
nunca por parte deles qualquer sentimento de desprezo para com ele.
Inversamente e se conformando nisso à imagem que deles fazia sua própria
sociedade, esses dois guaiaquí se mostravam desigualmente adaptados ao seu
respectivo estatuto.
Krembégi estava tão à vontade, tranqüilo e sereno em seu papel de homem
tornado mulher, quanto Chachubutawachugi parecia inquieto, nervoso e
freqüentemente descontente. Como se explica essa diferença introduzida pelos
“aché” no tratamento reservado a dois indivíduos que, ao menos no plano
formal, eram “negativamente” idênticos ?
É que, ocupando ambos uma mesma posição em relação aos outros homens, uma
vez que os dois eram “panema”, seu estatuto positivo deixaria de ser
equivalente, pois um deles, Chachubutawachugi, embora obrigado a renunciar
parcialmente às determinações masculinas, permanecera um homem, enquanto o
outro, Krembégi, assumira até as últimas conseqüências sua condição de homem
não-caçador, tornando-se uma mulher. Ou, em outros termos, Krembégi havia
encontrado, por meio de sua homossexualidade, o “topos” ao qual o destinava
logicamente sua incapacidade de ocupar o espaço dos homens; o outro, em
compensação, recusando o movimento dessa mesma lógica, estava eliminado do
círculo dos homens sem, entretanto, com isso integrar-se ao das mulheres. O que
significa dizer que, literalmente, “ele não estava em lugar algum”, e que sua
situação era muito mais incômoda que a de Krembégi.
Este último ocupava aos olhos dos “aché” um lugar definido, embora paradoxal;
e desprovida, em certo sentido, de toda ambigüidade, sua posição no grupo
resultava normal, mesmo que essa nova norma fosse a das mulheres.
Chachubutawachugi, ao contrário, constituía por si mesmo uma espécie de
escândalo lógico; não se situando em nenhum lugar nitidamente identificável,
ele escapava do sistema e introduzia nele um fator de desordem: o anormal, sob
certo ponto de vista, não era o outro, mas ele. Daí sem dúvida a agressividade
secreta dos guaiaquí com relação a ele, que se manifestavam por vezes nas
caçoadas. Daí também, provavelmente as dificuldades psicológicas que ele
experimentava e um sentimento agudo de abandono: tão difícil é manter a
conjunção de um homem e de um cesto.
Chachubutawachugi queria, pateticamente, permanecer um homem sem ser um
caçador: ele se expunha assim ao ridículo e, portanto, às caçoadas, pois era o
ponto de contato entre duas regiões normalmente separadas.
Pode-se supor que esses dois homens mantivessem ao nível de seu cesto a
diferença das relações que tinham com sua masculinidade. De fato Krembégi
carregava seu cesto como as mulheres, isto é com a tira do suporte “sobre a
testa”. Quanto a Chachubutawachugi, colocava a tira “sobre o peito” e nunca
sobre a teste. Era claramente uma maneira desconfortável e muito mais fatigante
do que a outra, de transportar o cesto; mas era também para ele o único meio de
mostrar que, mesmo sem arco, continuava sendo um homem.”
Vimos então que a Ordem Natural aceita certas diferenças, mas não suporta a
confusão. Vimos também que na organização social dos guaiaquí a identidade sexual da tribo
fica preservada quando distribui as tarefas masculinas e femininas, determinando assim os
seus símbolos no plano da cultura.
Sua organização social vincula a identidade sexual ao trabalho, a economia, aos
símbolos (arco e cesto) e ao mito (panema = azar). Não é apenas a prática sexual ou a
genitália que identifica e difere o masculino do feminino nessa sociedade com modelo cultural
preservado e em equilíbrio. Essa prática de representar o sexo entre eles é o resultado da forte
integração sociocultural onde todos os elementos (tarefas, símbolos, economia, identidade e
mito) estão indissoluvelmente ligados para permitir a tradição do grupo e facilitar a vida
grupal.
Cabe agora uma pergunta: em que lugar do “mundo civilizado” podemos encontrar um
modelo cultural tão equilibrado e saudável para o desenvolvimento psicossocial dos
indivíduos? A expressão “cultura civilizada” possui algum sentido coerente?
A homossexualidade encontrada na vida civilizada resulta de uma desorganização
cultural progressiva e expressa a desorganização dos sentimentos, princípios e valores que
normalmente existem e se encontram integrados nos modelos socioculturais organizados. A
preferência sexual depende menos de uma simples escolha individual e está diretamente
relacionada ao modo de viver e conviver dentro de parâmetros predeterminados e bem
definidos pela cultura dos grupos sociais.
Nesse particular conseguimos não ser tão diferentes dos índios. Guardarmos, ainda
que de forma distorcida e anárquica, alguns valores, símbolos e tarefas correspondentes ao
masculino e ao feminino. Alguns homens não aceitam as cores lilás e cor-de-rosa nas suas
roupas. O uso de brincos, pulseiras e colares não são bem aceitos por todos os homens.
Tarefas como a de figurinistas, cabeleireiros e colunistas sociais ainda são tratados como
pouco masculinas. É raro se ver mulheres trabalhando em serviços braçais pesados, dirigindo
tratores ou fumando cachimbos.
O fenômeno homossexual quando visto somente pelo ângulo individual, da prática
sexual, se mostra falso e pobre. Toda sociedade equilibrada o conhece e reconhece associado
às funções, bio-psico-sócio-culturais.
Furto e Afeto
O furto é uma forma simbólica de ganhar afeto. Todos nós aprendemos a furtar na
sociedade civilizada porque precisamos preencher de vez em quando os nossos sacos vazios
de afeto. Não importa se o que “temos” está em forma de patrimônio, objetos, dinheiro,
capacidade intelectual, talento, prestígio ou qualquer uma outra condição que nos permita
sentir satisfação e felicidade. A nossa identidade pessoal precisa de algo mais que nos
“preencha” de alguma forma, que nos faça sentir que “temos” alguma importância para nós e
para os outros.
Com o desenvolvimento tecno-industrial a humanidade experimentou uma série de
transformações rápidas no que diz respeito às suas aquisições internas, ou seja, nos
sentimentos, princípios e valores individuais que a vivência da cultura nos imprime. Isso pode
ter modificado nosso comportamento.
Furtar significa “incorporar, colocar para dentro” algum valor, algo de muito
importante para alguém ou para nós. Como o ato de furtar não é aceito socialmente e, muitas
vezes, vem acompanhado de reprovação e punição, é comum a pessoa que furta experimentar
variados sentimentos como: medo, vergonha, excitação, apreensão, prazer, etc. É como ser
apanhado em flagrante num gesto infantil e primário que remete ao mais profundo e escuro
local da nossa intimidade afetiva; é uma forma proibida e angustiante de manter contato com
os outros e conosco mesmo.
Todos nós, ou já sentimos desejo de furtar ou já furtamos alguma vez na vida. Não
interessa o valor do que foi furtado e sim o ato simbólico do furto. O afeto e o furto estão
fortemente associados e presentes dentro de todos nós porque vivemos em uma sociedade
cujo estatuto central é o de “ter ou possuir para ser visto, amado ou admirado”.
Quem já não ouviu contar casos de pessoas que furtam livros, plantas, canetas,
isqueiros, obras criadas por outros, objetos de avião, de restaurantes e de tantos outros
lugares? Todos furtamos. Na maioria das vezes não sabemos explicar de onde se originam
esses impulsos estranhos, o que estamos querendo preencher com esses furtos e quais as
mensagens afetivas que estão contidas neles. Mas, mesmo assim, furtamos! Somos ladrões de
afeto e estamos sempre insatisfeitos com as nossas repetidas e arriscadas investidas.
Há três modalidades de furtos: os grosseiros, os medianos e os leves ou sutis. Há quem
use a violência para retirar do outro aquilo que deseja para si; há os que mentem para poderem
adquirir mais um pouco do que poderia ser adquirido se falassem a verdade; há os que
representam durante muito tempo, utilizando-se de vários artifícios, para conseguirem afinal
os seus objetivos de ganhar alguma coisa.
Alguns donos de supermercados, lojas, empresas de diversas naturezas furtam nos
preços porque sentem que estão perdendo alguma coisa ou poderiam ganhar um pouquinho
mais e tentam justificar com elegância a “coerência” desses furtos. Diferentes prestadores de
serviços usam seus “truques” para conseguir alcançar os mesmos objetivos.
Pai e filho, irmão e irmão, amigo e amigo, patrão e empregado, homens e mulheres,
todos nós, fazemos das nossas relações humanas, com freqüência cada vez maior, um espaço
de “ganho material” (sinônimo e código de ganho afetivo) para alcançarmos o nosso objetivo
de plenitude interna. A nossa voracidade no ganhar, no entanto, nunca nos preenche porque
não consegue atingir o centro do nosso verdadeiro desejo: o afeto. Atributo importantíssimo
para o equilíbrio constante do psiquismo e muito raro nos dias de hoje. Tão raro que é preciso
furtá-lo por não ser concedido facilmente de forma aberta e gratuita.
Estranhamos muito e, sempre foi muito difícil, para nós, compreender a vida e os
relacionamentos das sociedades humanas naturais, na sua aparente simplicidade, que nos
mostra claramente uma rica e complexa rede de experiências afetivas, econômicas, religiosas
e muitas outras. Há quem os chame de “povos primitivos” ou de “indígenas”; há os que os
considerem atrasados, preguiçosos, sem tecnologia, pré-letrados ou pré-colombianos. Inveja?
Desinformação? Negação da realidade? Etnocentrismo? Não interessa a razão. Lá, eles não
conhecem o “furto” assim como o conhecemos aqui, porque não há necessidade de furtar
numa sociedade que guardou dentro do seu espaço cultural um lugar privilegiado para o afeto.
Dentro e fora desses indivíduos existem lugares e momentos dedicados às relações humanas
afetivas que não foram ainda substituídos pela voraz, desesperada e ineficaz “corrida para o
consumo” com a qual estamos acostumados.
Quando um índio guarda por algum tempo um objeto desconhecido, trazido por um
“civilizado” para a aldeia, por simples curiosidade, não é um furto. O verdadeiro furto se
origina do impulso ou da compulsão em apropriar-se de alguma coisa pela necessidade de
preencher algum “vazio” afetivo preexistente e gerado por um “modo de viver” que não
reservou um lugar especial para o afeto no terreno dos contatos entre as pessoas.
Não vemos e não temos informações de fontes idôneas sobre a ocorrência de furtos
nessas sociedades naturais porque não é da natureza humana equilibrada o desejo de fazer
contatos interpessoais através do furto. Essa forma inadequada de relacionar-se só vinga nas
sociedades que costumamos chamar de “civilizadas”, sinônimo de “sociedades socialmente
desequilibradas”. Social, econômica, religiosa e afetivamente desequilibradas.
Outras civilizações mais antigas já percorreram o mesmo caminho que estamos
insistindo em repetir e se deram mal: desapareceram e não existem mais. Não souberam
construir o Templo do Afeto, local na cultura, onde se deve erigir o altar para o culto das
relações afetivas entre os homens, mulheres e crianças. Regredimos no tempo para voltar a
adorar os mesmos conceitos antigos de “progresso e desenvolvimento econômico” usados
pelos povos antigos.
Ouvimos com freqüência, através do discurso de políticos e autoridades econômicas,
expressões como: “Quando o país encontrar sua estabilidade econômica...”, “se a inflação
cair...”, “quando houver melhor distribuição da renda...”, todas direcionadas para uma
expectativa econômico-financeira, esquecendo-se esses senhores que o fenômeno econômico
e suas distorções são resultantes das distorções do comportamento humano, dos seus sonhos,
das suas ambições e fantasias e, - por que não dizer? - das patologias pessoais e dos grupos de
pessoas que controlam a vida política e econômica das nações civilizadas.
Entre os povos das sociedades naturais aprendemos mais sobre progresso e
desenvolvimento humano do que em toda a nossa vida nas escolas e universidades civilizadas,
nos livros escritos sobre o assunto e nos simpósios, congressos e seminários dos quais
participamos. Nunca veremos escolas ou templos deles, nunca assistiremos um professor falar
entre eles, nada há escrito em livros. Há apenas a convivência diária. Quem ensinou a eles
essa forma tão sábia de viver e conviver? Não sabemos. Só sabemos que já vivemos como
eles vivem hoje, há alguns milênios atrás. Talvez tenhamos esquecido muita coisa do que eles
sabem.
Se perguntássemos aos antropólogos porque os admiram tanto, provavelmente
responderiam: “Porque vemos neles o que fomos ontem e o que - de uma forma nova e
adaptada - poderemos ser amanhã. Não dá mais para viver (e assistir outros vivendo) numa
sociedade sem futuro, onde violência, injustiça e fome existem porque dão lucro e geram
notícias e empregos.
O furto é o sintoma de uma sociedade infeliz. Uma sociedade “sem espírito de corpo”,
isto é, sem eixo cultural, sempre em dúvida se deve ou não situar a figura humana no centro
dos seus sentimentos, princípios e valores. Furtamos porque nos sentimos infelizes e solitários
e acreditamos que uma grande quantidade de bens materiais possa vir a mitigar o nosso
sofrimento. As crianças furtam porque se sentem solitárias ao lado dos pais, os pobres furtam
porque se sentem injustiçados e abandonados e os ricos vão continuar furtando porque, como
as crianças e os pobres, acreditam que a riqueza material possa lhes dar um dia o afeto, a
segurança e a felicidade que todos desejam ter dentro de si.
Furtar é um gesto humano e simbólico de quem se sente vazio de amor. Não devemos
reprovar os que furtam, sejam ricos, pobres ou crianças porque todos estão usando a mesma
linguagem para expressar a mesma mensagem. Somente os que se sentem satisfeitos
internamente com a solidariedade, a partilha, a generosidade, a convivência justa e fraterna
não sentem vontade de furtar porque já possuem o que de mais importante existe na vida: a
consciência plena da igualdade e da alegria de conviver em harmonia e num espaço afetivo
amplo e justo com todos.
O poder, o dinheiro e o prestígio possuem o mesmo significado e a mesma força no
interior das sociedades civilizadas. Todos ou quase todos os homens vivem sob a ilusão de
conquistá-los um dia. Na verdade esses três desejos do homem moderno representam uma
coisa só: o controle neurótico! Controlar os outros significa para o homem neurótico da nossa
civilização “a super-conquista sobre os demais”, a realização maior da sua estória humana, a
grande façanha de sair da mísera condição humana e se transformar no “maior super-herói de
todos os tempos” e, do alto desse “podium”, se sentir em condições de ganhar a “Taça do
Afeto”, a “Medalha da Segurança” e a “Fita do Amor”.
Ter certeza de que todos o amam, admiram e não o deixarão sozinho e de frente com a
sua solidão. Só assim sentir-se-á seguro para começar a procurar dentro de si o que já possui,
mas só consegue acreditar que exista do lado de fora, nos outros, e nos objetos que levou sua
vida inteira para adquirir. Furtar pode ser uma forma de abreviar esse caminho da busca da
felicidade interna para muitas pessoas que se esqueceram de construir esse “podium” e de
procurar taças, fitas e medalhas dentro de si próprias. Órfãos de uma sociedade que destrói
seus filhos ensinando-lhes o caminho da ganância da competição e da mentira.
Furtar é pedir socorro para os que julgamos proprietários da felicidade. É mendigar
afeto para outros mendigos que, como nós, também precisam furtar para se tornarem
aparentemente ricos.
Certa vez perguntaram a um mendigo qual o seu maior desejo. Ele respondeu: -
Morrer e ir para o céu...Lá não falta nada...Deus é Amor, é Esperança e Caridade. Há pessoas
que vivem pensando em morrer para poderem encontrar-se com a felicidade. Por que é
preciso morrer para ser feliz? Não é possível ser feliz vivendo? Furtar ou mendigar é um
passaporte para os que ainda não tiveram coragem para atalhar o caminho? Não sabemos
responder essas perguntas, mas nos sentimos muito tristes por saber que elas existem.
Perguntaram para um velho pescador, na Amazônia, que costumava distribuir, o peixe
que sobrava após a venda, para os outros moradores pobres do lugar, se ele não tinha medo de
ficar mais pobre ainda e lhe faltar no futuro o que ele generosamente distribuía no presente.
Ele olhou demoradamente, sorriu e falou com a serenidade de quem tem certeza: - “Eu sou
rico. Nunca faltou nada para mim e o que sobra eu dou pro’s outros. Estou com essa idade e
sempre fiz isso, nunca fiquei pobre por causa disso. Todo dia eu pesco e todo dia sobra peixe
e eu distribuo com quem não tem. Quando fico doente ou não posso pescar, sempre encontro
quem me dê. A riqueza tá dentro da gente e da Natureza, meu filho! Não acredite nessas
mentiras que andam inventando por aí... Donde você é?... Como é seu nome?... Quer um
peixe prá você? Eu tiro do meu...tem mais lá em casa...”.
Muitos ainda não acreditam que uma sociedade é um corpo só, constituído de vários
órgãos que são os povos, de vários tecidos que são as culturas e de várias células que são os
homens, mulheres e crianças. A nossa casa é o planeta, a nossa água são os oceanos, rios,
riachos e lagoas, as nossas plantas são as florestas e os campos e o nosso alimento é o amor.
Quantos já entraram nessa casa e já saíram dela? O que fizeram durante a sua permanência
provisória? O que faremos nós, os ainda residentes? Furtaremos os outros moradores para que
possamos ocupar os melhores e mais confortáveis lugares da casa? Cada um é dono apenas
dos seus “bens internos” - sentimentos, princípios e valores de caráter, - e do seu livrearbítrio.
Tão dono que os leva consigo após a morte.
Somos e seremos sempre usufrutuários dos bens materiais enquanto vivermos. Nunca
proprietários!!! Pois a morte nos ensina que o conceito de “propriedade” é uma frágil ilusão.
Cada experiência afetiva pessoal é intransferível e única. Sentir não é ter, é só sentir. Quando
sentimos uma alegria não nos tornamos proprietários dela, só a sentimos. Nossos sentimentos
morrem junto conosco, nossos bens serão distribuídos entre os vivos.
Só pararemos de furtar quando nos sentirmos próximos uns dos outros, quando essa
proximidade for verdadeira, quando nos trouxer alegria, justiça e paz; quando, espantados,
olharmos com atenção uns para dentro dos outros e virmos a nossa própria imagem refletir-se
do interior do outro, e voltar para nós inteira e igual.
A nossa imagem de pessoas inteiras não pode ser vista em qualquer espelho, só a nossa
consciência é capaz de refletir essa imagem que tanto desejamos ver. Furtar é uma mensagem
de amor...De falta de amor.
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